Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Corpo

Prescritores de bomba, enfim, enquadrados

Terapias hormonais para fins estéticos e de performance estão vetadas

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Em reação a uma nota conjunta de oito Sociedades e Federações médicas, o Conselho Federal de Medicina, desta feita, se alinhou à ciência ao vetar terapias hormonais para fins estéticos e de desempenho esportivo (resolução nº 2.333/23). Justamente o que este colunista pedia aqui.

E mais: a restrição avança à "realização de cursos, eventos e publicidade com o objetivo de estimular o uso ou fazer apologia a possíveis benefícios de terapias androgênicas com finalidades estéticas, de ganho de massa muscular ou de melhora na performance esportiva".

A indicação terapêutica de esteroides permanece justificada em condições como hipogonadismo, micropênis neonatal, puberdade tardia, caquexia e disforia de gênero.

Anabolizantes
CFM (Conselho Federal de Medicina) proibiu o uso de anabolizantes para fins estéticos - Divulgação/Polícia Civil

Embora tardia, a regulamentação é acertada, pois trava o ímpeto de charlatões gananciosos que fazem fortuna arriscando a vida de pacientes.

Mas como nos ensina o escritor e ativista social Upton Sinclair (1878 – 1968) –uma lição que deve ter assimilado mais de suas empreitadas políticas do que literárias–, é duro fazer um homem compreender algo quando seu salário depende, acima de tudo, que não o compreenda.

Inconformados com a atrofia da galinha dos ovos de ouro, os prescritores de bomba voltaram-se às suas bolhas para insuflá-las contra a resolução do CFM.

O principal argumento é que a proibição da prescrição cosmética de esteroides representaria o abandono do usuário, que, sem o "cuidado profissional", acabaria exposto a drogas mais pesadas e sem controle de procedência.

Balela. Primeiro, porque os prescritores de bomba jogam com a ilusão de que são capazes de impedir –ou, como gostam de dizer, "manejar"– os eventos adversos. Ocorre que não há um único estudo científico que ensina como fazê-lo.

Segundo, porque o argumento faz crer, maliciosamente, que a estratégia de redução de danos é vedada pela resolução.

E, sobre isso, vale gastar algumas linhas. A redução de danos é uma prática terapêutica consagrada, que contempla diversas ações centradas na defesa da vida, visando à redução dos riscos pessoais e danos sociais, econômicos e à saúde das pessoas que não querem ou não conseguem deixar de usar drogas.

No contexto do abuso de esteroides, faz parte da redução de danos:

  • o acolhimento do usuário, sem estigmatização, julgamento ou preconceito;
  • a educação acerca dos eventos adversos;
  • a identificação de fatores de risco que os agravam; a informação sobre modos mais seguros de uso (não compartilhamento de seringas, drogas menos tóxicas, doses habitualmente utilizadas, etc);
  • o aconselhamento sobre como otimizar resultados estéticos ou de desempenho com intervenções "naturais" (treinamento físico e nutrição);
  • o monitoramento clínico do usuário e, quando cabível, seu encaminhamento para serviços especializados em transtornos psiquiátricos e dependência.

Não faz parte da redução de danos: a distorção das evidências científicas com a finalidade de minimizar os riscos do uso abusivo de esteroides; a realização de cursos caça-níqueis que ostentam informações pseudocientíficas sobre o assunto; a prescrição cosmética de esteroides velada por adornos marqueteiros (modulação hormonal, chip da beleza, antiaging, bioidênticos). Essas ações respondem pelo nome de má conduta, que, agora tipificada, torna-se passível de punição.

O uso indiscriminado de esteroides é um complexo problema de saúde pública. É imprescindível que o SUS –da atenção primária à especializada– se instrumentalize para o acolhimento de usuários, à luz dos princípios de redução de danos.

Treinamento profissional, campanhas educativas, repressão a laboratórios clandestinos e a traficantes e financiamento de estudos científicos sobre o tema são medidas adicionais que podem arrefecer a crise.

A vedação à apologia e à prescrição abusiva de esteroides situa-se nesse rol preventivo. Não há uma única entidade médica ou científica que desabona a decisão. A aliança dos prescritores de bomba –essa sim!– discorda vigorosamente.

Sinclair tem a explicação.

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