Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Tratamento da obesidade pode passar por revolução

Novas drogas prometem o que nenhum outro tratamento conseguiu cumprir: conter a pandemia

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O tratamento da obesidade abrange dietas, exercícios, alguns poucos medicamentos que ajudam no controle do apetite e, em casos mais graves, cirurgia bariátrica. Nada disso parece ser suficiente para evitar que quase 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo sofra com essa condição.

Mas o sentimento de guerra perdida deu trégua com a chegada de novos peptídeos da classe das incretinas —apelidados no Brasil de canetas emagrecedoras, posto que injetáveis. Alguns especialistas creem se tratar de uma verdadeira revolução no tratamento da obesidade. Há motivos para tanta empolgação?

Comecemos pelo copo meio cheio. Esses novos peptídeos, que "imitam" hormônios intestinais capazes de aumentar a secreção de insulina e a saciedade após a alimentação, passaram pela prova de bons ensaios clínicos. E com louvor.

Em pessoas com sobrepeso ou obesidade, a perda de peso corporal sob uso crônico (cerca de um ano e meio) de semaglutida (Wegovy, da Novo Nordisk, aprovada pela Anvisa) ou tirzepatida (Mounjaroda, da Eli Lilly, em fase de aprovação pelo FDA) tem sido da ordem de 17% e 20%, respectivamente.

Homem prepara injeção de semaglutida para controlar níveis de açúcar no sangue - Myskin/Adobe Stock

E isso não é pouco. As drogas atuais não superam a marca dos 5%. Exercícios, quando muito, promovem perda de peso modesta e de significância clínica discutível (embora gere outros efeitos terapêuticos valiosos, como discutido aqui). No quesito redução de peso, apenas a cirurgia bariátrica, intervenção invasiva e de acesso limitado à população, parece se comparar a essas novas drogas.

Outra boa notícia vem do fato de que os excelentes resultados obtidos com a semaglutida em adultos se estendem a adolescentes com obesidade. Num estudo publicado recentemente, 73% dos jovens medicados atingiram uma perda de peso corporal superior a 5%, contra apenas 18% dos que receberam placebo. A droga produziu uma perda de peso média de 15% (contra 2% no grupo placebo). Um ensaio clínico similar com a tirzepatida está em curso, com resultados previstos para 2027.

Além de promoverem extraordinária perda de peso, as novas drogas trazem outros benefícios (muitos deles derivados da própria redução de peso): diminuição nos níveis de açúcar circulante, melhora no perfil das lipoproteínas (aumento de HDL, queda de LDL e triglicérides), atenuação da inflamação sistêmica e controle da pressão arterial. Como se nota, há bons motivos que justifiquem a euforia.

Há, no entanto, questões de ordem prática que arrefecem o entusiasmo. Eis a água no chope.

Nos ensaios clínicos mais robustos, os participantes tratados com os novos medicamentos seguiram, concomitantemente, um programa de atividade física e alimentação saudável. Sem a efetiva mudança de comportamento, a perda de peso seria a mesma? Ou ainda: quando da interrupção da medicação, os benefícios seriam mantidos sem a adoção de um estilo de vida saudável?

Tudo indica que não. Um estudo reportou a recuperação de dois terços do peso perdido apenas um ano depois da descontinuidade do tratamento combinado com semaglutida, exercícios e dieta. O desafio da manutenção dos ganhos, que assombra profissionais e pacientes, estende-se às novas drogas.

Em estudos envolvendo participantes com diabetes do tipo dois e excesso de peso, são leves os eventos adversos mais comuns (náusea, vomito, dor abdominal, constipação e diarreia). Daí não se pode concluir que o uso irrestrito desses medicamentos é seguro para pessoas sem indicação de perda de peso. Mais movimento e melhor alimentação continuam sendo os "tratamentos" preferenciais para pneuzinhos, culotes e outros infortúnios estéticos.

Em países como Estados Unidos e Austrália, já se observa um efeito nefasto da glamourização dessas drogas: pessoas que realmente precisam delas não as encontram. Soma-se a isso o alto custo dos medicamentos —o tratamento com Ozempic, por exemplo, gira em torno de R$ 12 mil ao ano.

Estes podem ser entraves importantes ao acesso amplo e equitativo da população ao tratamento.

A despeito das lacunas e dificuldades postas, há de se reconhecer o potencial revolucionário que essas novas drogas apresentam. Não se trata de abnegar o estilo de vida como pilar da saúde, mas de celebrar a introdução de uma terapia aliada altamente capaz de combater a obesidade. A bala de prata ainda não existe, porém nosso arsenal ganhou arma extra.

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