Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Corpo

Um freio nos anabolizantes

Antes de condenar usuários, é preciso fiscalizar prescritores

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Prescritores de "bomba" disfarçados de profissionais da saúde torceram o nariz quando eu disse aqui que a prática se assemelhava à roleta-russa. Como no jogo mortal, o dano não é certo, mas tão mais provável quanto se decide abusar da sorte.

Como nariz torcido ainda não alcançou status de evidência, sigamos com a ciência.

O estudo HAARLEM –conduzido na cidade homônima da Holanda– avaliou 100 homens praticantes de musculação antes, durante e após um ciclo de esteroides anabolizantes. Como no mundo real, cada participante pôde escolher o tipo, o regime de uso e a fonte de fornecimento de suas drogas.

Ampolas de esteroides anabolizantes - Divulgação/Polícia Civil

Vinte participantes nunca haviam usado anabolizantes. Entre os usuários prévios, 97% declaram apresentar algum tipo de efeito colateral, e quase metade deles se considerava viciada nesse tipo de drogas. Cerca de 1 a cada 4 participantes reportou consumir outras drogas ilícitas, além dos esteroides, para potencializar os ganhos estéticos (por exemplo, GH).

Oito em dez recorreram ao chamado "tratamento pós-ciclo", composto por drogas potencialmente capazes de recuperar a produção normal de testosterona e, como creem os usuários (sem respaldo, como veremos), evitar eventos adversos.

Como esperado, praticamente todos os participantes relataram ganhos de força e massa muscular após o ciclo de anabolizantes. Como também esperado, houve eventos adversos. Os mais graves –que acometeram 4% dos usuários– foram insuficiência cardíaca, pancreatite aguda, colite ulcerativa e ideação suicida. Os eventos mais frequentes foram menos graves, tais como retenção hídrica (56%), acne (29%) e ginecomastia (19%).

Ao término do ciclo, os efeitos positivos desaparecem; restaram a perda de libido (59%) e a disfunção erétil (14%). Esse ingrato combo foi apontado pelos usuários como um importante motivo para iniciarem um novo ciclo de esteroides.

Embora alguns eventos adversos tenham sido transitórios –a exemplo das disfunções renal e hepática–, a recuperação da função testicular (especialmente a espermatogênese) foi mais lenta e, em alguns casos, incompleta.

Cumpre ainda alertar para os efeitos deletérios sobre o sistema cardiovascular. Um terço dos participantes concluiu o ciclo de esteroides com valores de hematócrito superiores a 50%, e 41% apresentaram hipertensão arterial (antes do ciclo, esses valores eram 5% e 13%, respectivamente). Exames de ecocardiograma realizados num subgrupo de participantes confirmam a toxicidade dos anabolizantes no aumento de massa e na redução na fração da ejeção do ventrículo.

Trocando em miúdos, as anormalidades encontradas indicam um risco aumentado de infarto do miocárdio, insuficiência coronariana e cardíaca, acidente vascular cerebral, angina e doença arterial periférica.

Perceba, caro leitor, que essa coleção de eventos adversos se manifestou num período relativamente curto. Tendo em vista que usuários de esteroides dificilmente param num único ciclo, é razoável supor que os riscos se acumulem no tempo. Como a cada rodada da roleta-russa em que o disparo do gatilho não aciona o cartucho no tambor.

É importante esclarecer que nossa advertência para os riscos dos anabolizantes não tem como finalidade condenar o usuário. No mundo ideal, o desejo de qualquer bom profissional da saúde seria impedir, por completo, o uso dessas substâncias. Nem sempre isso é possível. Um desfecho intermediário seria convencer o indivíduo a diminuir o uso –estratégia conhecida como redução de danos.

Enquanto aguardamos que programas desta natureza sejam desenvolvidos e testados, é fundamental que se intensifique a fiscalização sobre os profissionais "indutores de danos", que na contramão da ciência e da ética, insistem em espalhar desinformação e prescrever essas drogas, no anseio de encher o bolso.

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