O atleta Mílon de Crotona (século 6º a.C.) venceu meia dúzia de vezes os Jogos Olímpicos da Antiguidade, mas sua aura mítica se deve muito à alimentação peculiar. Reza a lenda que o multicampeão tinha o hábito de comer 9 quilos de carne por dia. Sim, por dia. Esta seria a chave para um corpo impecavelmente musculoso, eternizado em esculturas espalhadas aos quatro cantos, do Louvre a Higienópolis.

Entusiastas de Mílon ainda hoje acreditam que não se constroem músculos comendo plantas, com que discordam os vegetarianos. Quem tem razão? Um novo estudo liderado pelo meu colega Prof. Hamilton Roschel (Universidade de São Paulo) acendeu de vez o debate.

Homens jovens adeptos de dietas onívora (que inclui alimentos de origens vegetal e animal) ou vegana (exclusivamente à base de plantas) foram convidados a participar de um programa de musculação por 12 semanas.

Para que não lhes faltasse a quantidade de proteína necessária ao desenvolvimento de músculos, onívoros e veganos receberam, respectivamente, suplementos proteicos de leite ou soja.

Desse modo, os participantes foram alinhados no mesmo ponto de partida, com níveis equivalentes de proteína na dieta, bem como massa muscular e capacidade física. O que os diferenciavam, portanto, era a natureza da alimentação: mista ou à base de plantas.

Em linha com a milenar crença nos poderes anabólicos da carne, acreditávamos que os veganos responderiam menos aos estímulos da musculação do que os onívoros. Mas as evidências nos refutaram.

Independentemente do tipo de dieta, os participantes que realizaram o programa de exercícios específicos ganharam força e músculos de maneira bastante similar.

É bom ressaltar, entretanto, que nem toda dieta à base de vegetais dá suporte ideal às adaptações ao treinamento físico. Notadamente, dietas mais restritivas (mesmo as onívoras) podem dificultar a tarefa de consumir uma quantidade ótima de proteínas —o que, como vimos, é uma condição fundamental para a construção dos músculos.

Carnes são alimentos ricos em proteína. Um único filé médio de peito de frango, por exemplo, possui cerca de 30 gramas do nutriente. Para uma quantidade equivalente, seriam necessários aproximadamente 1 quilo de brócolis cozido ou 500 gramas de feijão.

Assim, pessoas que não comem carne e almejam ganhar músculos costumam necessitar de maiores volume e diversidade de alimentos para atingir a quantidade ótima de proteínas na dieta. Possíveis adequações no consumo de outros nutrientes, como ômega 3 e vitamina B12, também são importantes. Especialmente atletas de ponta —que não podem se dar ao luxo de competir sob quaisquer insuficiências nutricionais— precisam, em regra, da mão de um nutricionista.

Nada disso impede a crescente onda de simpatizantes das dietas à base de vegetais no mundo esportivo. Marta (futebol), Lewis Hamilton (automobilismo), Chris Paul (basquete), Serena e Venus Williams (tênis) são apenas algumas personagens ilustres que, em algum momento da carreira, abdicaram da carne. A notar seus desempenhos, a falta do alimento não parece ser um pepino —ao gosto dos vegetarianos.

E quanto ao furor carnívoro de Mílon, qual lição podemos tirar? Bem, faltou lhe contar, caro leitor, uma reveladora parte da mitologia. Diziam as más línguas que o grego bebia nada menos do que 10 litros de vinho diariamente. Moralismos à parte, era ou não era um sujeito dado ao excesso?