Camila Rocha

Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Guerra nas redes sociais não é a mesma, e influenciadores podem ter papel decisivo

Desprovida de maior substância, política se reduz a um mero teatro para atacar oponentes

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A guerra vista pelas redes sociais não é a mesma guerra narrada pela mídia tradicional. Como aponta Jason Farago, a enxurrada de imagens fragmentadas que inundam as redes muitas vezes ignora qualquer cronologia dos acontecimentos e pode ser utilizada para as mais diversas finalidades políticas.

Em meio a tal emaranhado de "conteúdos", o papel de influenciadores pode ser decisivo. De acordo com um estudo realizado pelos pesquisadores Darian Harff e Desirée Schmuck em 2023, influenciadores podem transmitir notícias de forma mais rápida, didática e compreensível em comparação com o que é veiculado na mídia tradicional. Isso pode afetar positivamente pessoas mais jovens, por exemplo. Afinal, a percepção de possuir maior competência para compreender assuntos distantes e complexos, como uma guerra em um país distante, pode desencadear maior interesse por temas políticos, sobretudo quando há um vínculo mais forte com o influenciador em questão.

Bombardeio na Faixa de Gaza no dia 14 de outubro, em meio à guerra Israel-Hamas - Said Khatib/AFP

Por outro lado, de acordo com um estudo publicado em 2022 no The International Journal of Press/Politics, a exposição frequente a influenciadores também aumenta o que denominam como "percepção simplificada da política", o que pode fazer com que as pessoas se tornem ainda mais cínicas sobre tais assuntos.

De fato, parte significativa dos brasileiros interpreta as ações de políticos de diferentes inclinações ideológicas meramente como "marketing" e "jogo de cena". A ideia de que existem narrativas políticas que são construídas com única finalidade de enfraquecer adversários nas redes sociais já é corrente entre pessoas comuns. Desprovida de maior substância, a política fica reduzida a um mero teatro para atacar oponentes e fortalecer a própria imagem, inclusive se valendo de guerras e tragédias humanitárias.

Ao entrevistar moradoras da cidade de Salvador, Bahia, que votaram em Jair Bolsonaro nos dois turnos em 2018 e 2022, logo foi possível perceber que, para elas, "Hamas", "Faixa de Gaza" e "Israel" eram apenas abstrações desprovidas de qualquer sentido concreto.

Os conteúdos sobre o conflito a que possuem acesso chegam apenas pelo Instagram de modo incidental, por meio de perfis como Hugo Gloss e Jojo Todynho. Em seus relatos sobre a situação, vídeos de pessoas desesperadas querendo sair de um local qualquer se misturam à notícia de um cantor americano que havia conseguido escapar da guerra e mensagens com pedidos de oração pelas vítimas. A despeito de ignorar nomes, eventos e cronologias, uma delas, sintetizou: "muito triste o que está acontecendo lá".

Após assistirem a um vídeo de Eduardo Bolsonaro condenando Lula e o PT por sua conexão com o Hamas, muito convictas, todas afirmaram que, de fato, Lula e o PT são associados ao terrorismo. Inclusive, em sua visão, o presidente e o partido seriam, eles próprios, terroristas.

Logo depois, ao ver uma foto de Lula segurando uma camisa de futebol com o escrito "Palestina" acompanhada da legenda "Lula e Hamas: uma dupla de ataque matadora", uma delas afirmou "essa imagem sintetiza tudo aquilo que eu tenho convicção sobre Lula". Em ato contínuo, desabafou sobre o desespero de pessoas desempregadas que teriam sido descadastradas de forma arbitrária do CadÚnico em sua cidade. Em sua percepção, Lula não se importaria de verdade com as pessoas, tudo seria jogo de cena, para melhorar sua própria imagem, com o que as demais entrevistadas concordaram.

Ao final da conversa, uma delas disse que certamente o PT usaria o conflito para atacar Bolsonaro de alguma forma. Outra indagou: "mas o que é mesmo o Hamas?".

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