Camila Rocha

Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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Governo Lula e o desastre da segurança pública

Sem ouvir população, governos de esquerda ficarão condenados a repetir práticas violentas e ineficazes da direita

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"Um verdadeiro desastre comunicacional". É assim que Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum de Segurança Pública, classificou a resposta do governo à escalada de violência na Bahia. Para Lima, o revés teve início com o posicionamento de Rui Costa, ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia, que tentou negar o óbvio ao ignorar o problema e desacreditar as estatísticas.

Após os recentes episódios de explosão de violência no Rio de Janeiro, o governo passou a ser ainda mais questionado em relação à segurança pública. De acordo com uma pesquisa da Atlas Intel, divulgada no dia 21, a taxa de desaprovação do governo superou a de aprovação pela primeira vez. E o que move tal descontentamento é justamente a questão da segurança pública e o combate à corrupção.

O presidente Lula (PT), junto do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), participa de declaração à imprensa sobre as medidas de segurança para conter a criminalidade no estado do Rio de Janeiro, no Palácio do Planalto, em Brasília
O presidente Lula (PT), junto do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), participa de declaração à imprensa sobre as medidas de segurança para conter a criminalidade no estado do Rio de Janeiro, no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 1º.nov.23/Folhapress

O aumento da indignação dos brasileiros em relação a tais temas não é algo novo. O Ibope criou um índice de conservadorismo baseado em cinco pautas: legalização do aborto; casamento entre pessoas do mesmo sexo; pena de morte; prisão perpétua; e redução da maioridade penal, e aplicou o mesmo questionário sobre tais temas em 2010 e em 2016. A escala varia de 0, liberal, a 1, conservadorismo máximo.

Entre 2010 e 2016, o índice de conservadorismo do brasileiro subiu de 0,657 para 0,686, e foram as questões ligadas à segurança, e não à moral, as responsáveis por tal crescimento. Em seis anos, o apoio à pena de morte subiu de 31% para 49%; o apoio à redução da maioridade penal, de 63% para 78%; e o apoio à prisão perpétua para crimes hediondos, de 66% para 78%.

Tendo isso em vista, é possível perceber que a ideia de que ativistas de direitos humanos só protegem bandidos, bem como o apoio ao mote "direitos humanos para humanos direitos", não é restrito à extrema direita.

Em 2019, na pesquisa "O Conservadorismo e as questões sociais", realizada pela empresa Plano CDE e pela Fundação Tide Setubal, foi consensual o sentimento de abandono por parte dos defensores dos direitos humanos. Na visão dos entrevistados, a luta pelos direitos humanos estaria equivocada pois representaria uma inversão de valores: foco em quem comete crime e não em quem sofre com ele; defesa de quem não cumpre a lei e desprezo por quem cumpre a lei.

Além do risco cotidiano à integridade física e psíquica, a falta de segurança também implica a dificuldade das pessoas em acessar outros direitos, como saúde e educação. Em uma entrevista que realizei no mês de outubro com moradoras de Fortaleza que votaram em Lula, todas se mostraram pessimistas em relação à atuação do governo na área da segurança.

Uma das entrevistadas não consegue mais levar o filho à creche porque seu local de moradia e o da creche são dominados por diferentes facções. Outra afirmou que assaltos estão ocorrendo até mesmo dentro de hospitais e clínicas. Também é comum a desistência de compromissos sociais e atividades de lazer no espaço público, ou mesmo na porta de casa, como um churrasco, por conta do medo da violência.

Para que o país possa avançar de fato na segurança pública, é imprescindível ouvir a população. Para tanto, é preciso abrigar no âmbito do Estado iniciativas como o Fórum Popular de Segurança Pública do Nordeste, que procura promover debates a partir das experiências e da realidade local de quem sofre, cotidianamente, com a violência e a ausência de garantia de direitos básicos. Sem que isso seja feito, governos de esquerda ficarão condenados a repetir as mesmas práticas violentas e ineficazes da direita e continuarão reféns dos mesmos "desastres comunicacionais".

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