Camila Rocha

Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Camila Rocha
Descrição de chapéu ataque à democracia

Bolsonaro tentou, sim, dar um golpe

Tentativa promovida pelo então presidente foi um processo e não se resume a um ato singular

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No dia 12 de fevereiro, Joel Pinheiro da Fonseca, colunista da Folha que também escreve nesta seção, publicou um texto intitulado "Bolsonaro tentou ou só planejou o golpe?". Em seu entendimento, Bolsonaro teria apenas planejado, mas não tentado dar um golpe. O que confirmaria a tentativa seria a emissão do decreto golpista, preparado por Bolsonaro e seus assessores, o que não ocorreu.

Para Fonseca, "considerar uma reunião para combinar um golpe como sendo parte da execução do golpe parece uma interpretação bem exagerada e feita sob medida para condenar o alvo". Então, conclui que não seria possível punir Bolsonaro, pois a lei pune apenas a tentativa de golpe, e não seu planejamento.

Frame de vídeos apreendidos pela Polícia Federal  no computador do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro  (PL), mostram uma reunião em que o ex-presidente convoca seus ministros a fazerem "alguma coisa" antes das eleições  presidenciais de 2022 para impedir a vitória de Lula
Reunião em que o ex-presidente Jair Bolsonaro convoca seus ministros a fazerem "alguma coisa" antes das eleições presidenciais de 2022 para impedir a vitória de Lula - Reprodução/Polícia Federal

No entanto, a tentativa de golpe promovida pelo então presidente e seus assessores e apoiadores em altos escalões foi um processo. Não se resume a um ato singular. Assim, a emissão do decreto pode ser interpretada como um passo decisivo neste processo ou como o próprio golpe em si. O "roteiro golpista", ou o "planejamento", como aponta Fonseca, já havia deixado o plano das ideias havia muito tempo. A referida reunião é justamente parte do processo golpista, e não um planejamento anterior.

Inúmeras ações em prol do golpe já haviam sido tomadas previamente, e, inclusive, continuaram a ser realizadas a despeito da pressão sofrida dentro e fora do país contra seu nítido caráter de atentado contra a democracia. Esse é exatamente o significado de tentar: empenhar-se em prol de um objetivo, inclusive sob condições adversas.

O articulista aponta ainda que, mesmo que fosse comprovada a tentativa de golpe, a lei condena apenas tentativas ocorridas mediante grave ameaça ou violência. Em sua visão, porém, a ideia de grave ameaça parece valer apenas para pessoas, o que não faz sentido. Afinal, não se trata de um crime comum, e sim de um golpe de Estado.

Em abril de 2021, Bolsonaro afirmou que só deixaria a Presidência se morresse. Um mês depois, no dia 6 de maio, declarou em uma live: "Vai ter voto impresso em 2022 e ponto final. Não vou nem falar mais nada. (...) Se não tiver voto impresso, sinal de que não vai ter a eleição. Acho que o recado está dado".

Em julho do mesmo ano, em um protesto, comparou seus eleitores a um Exército e disse que "eleições que não sejam limpas não são eleições". Duas semanas após a proposta de impressão do voto ter sido rejeitada pelo Congresso, em agosto de 2021, Bolsonaro declarou que só tinha três opções possíveis para o futuro: morte, prisão ou vitória. Todas estas afirmações são graves ameaças à democracia. Reiteradas mês após mês.

Finalmente, Fonseca argumenta que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, não teria sofrido grave ameaça pois não sabia que era monitorado. Em seu entendimento, "a grave ameaça depende da vítima saber que é ameaçada, de modo a mudar sua conduta por medo".

Mas então o que dizer da declaração de Bolsonaro, perante milhares de apoiadores no dia 7 de setembro, de que não cumpriria mais qualquer decisão de Moraes, vociferando: "Tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Ou melhor, acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha"? Felizmente, Moraes não alterou sua conduta por medo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.