Candido Bracher

Administrador de Empresas formado pela FGV. Foi executivo do setor financeiro por 40 anos.

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Candido Bracher
Descrição de chapéu mudança climática

De idades e eras

É preciso um arcabouço legal, como as metas de inflação, para reduzir de forma consistente as emissões

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Eu era aluno de primário nos anos 1960, na Escola Experimental Vera Cruz, quando fui apresentado a uma ferramenta metodológica cuja imagem colorida fixou-se em minha mente e que, ao longo dos anos, tem-me sido fundamental para organizar e correlacionar mentalmente os fatos e as análises que apreendo: a "frisa do tempo".

De início, continha apenas as cinco grandes fases da história, além dos fatos que determinavam a transição de uma fase a outra.

Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea se sucediam horizontalmente na "frisa", separadas por linhas verticais, que indicavam o ano e o fato correspondente. O último desses era a Revolução Francesa, no ano de 1789. Desde então vivemos a Idade Contemporânea.

A ilustração de Luciano Salles, publicada na Folha de São Paulo no dia 21 de dezembro de 2024, mostra um homem que corre e que veste uma calça e camisa ocre. Ele está descalço, com as mangas da camisa dobradas. Ele tem a pele de cor púrpura. A ilustração é dividida em dois quadros como nas histórias em quadrinhos. Porém o homem não respeita as divisões dos quadros e passa de um para o outro quebrando uma suposta regra simples. No quadro a esquerda, há fogo e no quadro a direita, há algumas nuvens cor de rosa bem claro. O homem salta do quadro da esquerda para o da direita
Luciano Salles/Folhapress

Eu me esforçava por imaginar que fato poderia determinar o fim da Idade Contemporânea (uma contradição em termos, eu sei) e se eu viveria para ver essa mudança.

Difícil saber, pois isso será convencionado no futuro por historiadores que avaliarão a nossa época. O que eu não podia imaginar é que assistiria não a uma mudança de época histórica, mas possivelmente ao nascer de uma nova era geológica.

Um pequeno artigo no jornal inglês Financial Times informa que o Congresso Geológico Internacional a ocorrer em agosto deste ano, na Coreia do Sul, deliberará sobre a proposta de que já transitamos da era do Holoceno —iniciada há 11.700 anos, logo após a era do gelo— para a era do Antropoceno.

A sucessão entre eras geológicas deve apoiar-se em fundamentos científicos, dentre os quais se destacam as evidências estratigráficas, as camadas de sedimentos depositadas na crosta terrestre.

Em julho de 2023, uma comissão da União Internacional de Ciências Geológicas designou um pequeno lago no Canadá como um local oficial de monitoramento do Antropoceno.

Os geólogos acreditam que os sedimentos depositados na profundidade gelada do lago, evidenciando o acúmulo de compostos originários da queima de combustíveis fósseis e isótopos radioativos provenientes de tecnologia nuclear, além de outros elementos, evidenciam a intensidade do impacto humano em nosso planeta e justificam a designação de uma nova era geológica.

A confirmar o fato, terei então assistido a uma transição muito mais rara do que aquela que ansiava ver. "Cuidado com o que deseja!"

Se a sucessão de épocas históricas inspirava em mim a ideia inequívoca de progresso, o advento do Antropoceno faz temer o apocalipse.

Há, felizmente, fatores atenuantes. As alterações promovidas pelo homem não têm —se contidas a tempo— a mesma inércia e irreversibilidade dos grandes movimentos geológicos das eras anteriores. Nesse sentido, discute-se presentemente se 2023 terá sido o ano de inflexão na utilização de combustíveis fósseis para a geração de energia.

Dois relatórios recentes, pelo Centro de Estudos Ember, do Reino Unido, e pela Agência Internacional de Energia (AIE), trazem evidências do atingimento do ponto em que o crescimento das fontes alternativas de energia solar e eólica ultrapassa o crescimento da demanda total por energia, iniciando o processo de substituição gradativa dos combustíveis fósseis em escala global.

O relatório da Ember analisou a geração de energia em 78 países, representando 92% da demanda global de energia, e verificou crescimentos de 16% e 10% na oferta de energia solar e eólica, respectivamente.

Uma análise das emissões da China especificamente —maior emissor do mundo, superando EUA, Rússia e Índia somados— indica que o país pode ter atingido o pico em 2023, o que determinaria um ponto de inflexão também para as emissões mundiais.

Duas observações cautelares são necessárias.

Primeiramente, cabe alertar: as previsões dos relatórios mencionados enfrentam questionamentos, especialmente de setores ligados à indústria do petróleo, que afirmam publicamente que a demanda por combustíveis fósseis continuará a crescer até 2050, para atender à demanda mundial.

Essas previsões de aumento na demanda, que se têm repetidamente mostrado exageradas, parecem objetivar tornar-se profecias autorrealizáveis. A lógica seria induzir governos a apoiar novas iniciativas de exploração de petróleo (soa familiar?) para manter uma oferta crescente do produto e assim manter os preços suficientemente baixos para retardar a substituição por energia limpa.

Em segundo lugar, é fundamental estarmos conscientes de que a inflexão, se atingida, apenas indica estarmos na direção correta. Mas a velocidade de substituição dos combustíveis fósseis precisa ser muito acelerada para que se alcance limitar o aquecimento a 1,5ºC, ou mesmo 2ºC.

Ao Brasil cabe grande responsabilidade na aceleração da redução global de emissões, e o país, a partir de 2023, voltou a empenhar-se seriamente na tarefa.

Testemunho disso são a redução de 50% no desmatamento na Amazônia, as iniciativas de criar o mercado regulado de carbono, o PL 11.688, que trata da questão fundamental de regulamentação fundiária, e, regionalmente, a determinação do estado do Pará de rastrear todo o rebanho bovino até 2026 e a primeira lei estadual em Mato Grosso do Sul tratando especificamente do Pantanal.

Vivemos, porém, com o risco de grave retrocesso na elaboração e na aplicação da política ambiental, como ocorreu no governo anterior.

Para evitá-lo de forma definitiva, é necessário que tratemos a questão das emissões em geral e do desmatamento, em particular, como "questões de Estado", do mesmo modo como há 30 anos fizemos com a inflação.

A tarefa requer a construção de um arcabouço legal —correspondente, no caso da inflação, ao regime de metas, Copom, independência do Banco Central e Lei de Responsabilidade Fiscal— que garanta a redução das emissões e sua manutenção em níveis baixos, ou negativos.

Em dois anos terá lugar a COP30, em Belém do Pará. Será admirável se até lá tivermos implementado esse sistema de normas, pesos e contrapesos, que assegure a continuidade intergovernamental das políticas ambientais.

Assim teremos contribuído para que o Antropoceno não venha a ser uma era geológica irreversivelmente associada à destruição.

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