Casos do Acaso

Série em parceria entre a Folha e a Conspiração Filmes. Narrativas enviadas pelos leitores poderão se transformar em episódios audiovisuais criados pela produtora. Veja como participar no fim do texto

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Casos do Acaso

Prestes a mudar de país, me apaixonei pelo meu vizinho

Nossa ida a Jerusalém seria a última oportunidade que eu teria de estar com ele. Depois, iríamos nos separar para sempre

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Lucia Moreira

Assistente social aposentada, mora em Bristol, na Inglaterra

Malas prontas. Enfim o grande sonho iria se concretizar: uma pós-graduação em Bristol, Inglaterra. E ainda levaria comigo meus dois filhos adolescentes que, como eu, não aguentavam de tanta ansiedade.

Ao me despedir de um amigo britânico, ele me entregou um cartão de visitas de um médico de Bristol que o havia visitado recentemente, caso eu precisasse. Coloquei o cartão na minha carteira e confesso que o esqueci por completo.

Doze meses se passaram muito rápido. Em todos os sentidos aquele havia sido o melhor ano de nossas vidas. Já estava finalizando minha tese e preparando meu coração para o retorno ao que tinha deixado pra trás no Brasil. Nossa pequena casa em Bristol ficava no coração da cidade e da universidade. Era ponto de parada para colegas e amigos tomarem chá e papear.

Dois jovens do sexo masculino andam, de máscara, em frente a um letreiro com o nome da cidade britânica de Bristol
O centro de Bristol, na Inglaterra, em meio às medidas de restrição causadas pelo novo coronavírus no final de 2020 - Paul Childs - 3.nov.20/Reuters

Um dia, uma amiga, que voltava de um seminário, passou para me contar do interessante evento, organizado por um tal doutor, cujo nome me soou familiar. Fui até minha carteira e puxei de lá o cartão que me havia sido dado pelo amigo no Brasil e que estava ali desde então. Para minha surpresa, nele estava escrito o mesmo nome.

Olhei o endereço e, para espanto ainda maior, ficava na esquina da minha casa. Era muita coincidência, não podia ser por acaso. Algo me dizia que eu tinha que ir ver esse tal homem.

Cheguei pontualmente na hora marcada. Ele abriu a porta e me mandou sentar em uma poltrona à sua frente. Devo ter ficado alguns segundos em silêncio e alguns outros sem fôlego, embevecida pela cor daqueles olhos azuis. Sem falar na simpatia, na beleza do rosto, no porte atlético, dentro de um blaser casual e charmoso, nada parecido com as roupas dos ingleses que eu já havia encontrado.

Recobrada, consegui falar um pouco sobre minha experiência na Inglaterra naquele ano. Ao final, ele me perguntou: "De que você sentiu mais falta durante este tempo?". Respondi: "De dançar. Aqui não se dança muito". Ele então falou: "Você não deve ter ido aos lugares certos".

Me despedi deixando meu telefone, com um fio de esperança de que ele me ligasse, mas sabia que era muito para querer. Se passou mais de um mês daquele encontro e nenhuma noticia dele. Então, em uma bela tarde de sábado, saí para uma volta com uma colega do mestrado. Ao retornar, cruzei na esquina com meus filhos que iam saindo, e um deles me gritou do outro lado da rua: "Mãe, um cara falando inglês te ligou. Deixou um número que anotei em um papel junto ao telefone".

Corri para casa e disquei o número. A voz do outro lado disse: "Esperei a tarde inteira pela sua ligação, queria te levar em um bom lugar para dançar, para você matar sua saudade do Brasil".

Naquele dia, estava acontecendo o Carnaval de St. Pauls, um dia inteiro de música caribenha. Dançamos a noite toda, circulando pelos diferentes palcos, cada um com bandas ou DJs. Rimos e nos divertimos muito, e eu mal acreditava que estava ali com aquele homem incrível ao meu lado. Foi quando, de repente, senti o braço dele na minha cintura e, ao me virar, não tivemos como evitar um longo e delicioso beijo.

A partir daquele momento, minha vida virou de pernas para o ar. A única coisa que queríamos era não perder tempo para estarmos juntos, nos conhecermos e nos curtirmos. Sabíamos que o relógio corria contra nós. O dia do meu retorno já estava chegando.

Foi quando, uma noite, ao nos desperdirmos, ele me abraçou e disse: "Estou indo passar uma semana em Jerusalém. Quero que você venha comigo". Fiquei muda e não consegui dormir naquela noite. Eu sabia que essa seria a última oportunidade que eu teria de estar com ele. Sabia que, ao retornar para o Brasil, iríamos nos separar para sempre. Eu precisava viver o que me restava ser vivido daquele lindo sonho.

Passamos uma semana em Jerusalém, e era como se já estivéssemos juntos por uma vida. Descobrimos nesses dias que éramos tão parecidos, gostávamos das mesmas coisas, tínhamos a mesma idade, nos sentíamos confortáveis com a presença do outro. Descobri que, em outro país, do outro lado do oceano, em uma outra cultura, falando outra língua, estava a minha alma gêmea e eu a havia encontrado. Eu não tinha dúvidas disso.

Foi quando estávamos flutuando no Mar Morto, no final de uma tarde, nossos corpos dominados por aquela sensação inigualável de leveza, que eu falei para ele: "Daqui a 25 anos, nós vamos vir aqui comemorar nossas bodas de prata nesse mar". Ele riu.

Neste ano, estamos celebrando 25 anos de vida juntos. Nossa viagem para o Mar Morto já está marcada. Já estava escrito nas estrelas. Já estava selado em nossos corações que iríamos enfrentar e superar todos os desafios para ficarmos juntos, porque acreditávamos que não havia sido por acaso que nos achamos. Éramos almas gêmeas —e almas gêmeas, quando se encontram, não se separam jamais.

Para participar da série Casos do Acaso, o leitor deve enviar seu relato para o email casosdoacaso@grupofolha.com.br. Os textos devem ter, no máximo, 5.000 caracteres com espaços e precisam ser inéditos, não podem ter sido publicados em site, blog ou redes sociais. As histórias têm que ser reais e o autor não deve utilizar pseudônimo ou criar fatos ou personagens fictícios.

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