Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Cecilia Machado
Descrição de chapéu desigualdade educacional

Cotas, sozinhas, não acabam com a desigualdade

Políticas de diversidade pré-universidade também têm grande efeito

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Há uma demanda crescente para que as universidades de alto prestígio (ou de elite) aumentem a diversidade étnico-racial e socioeconômica de seus alunos. Nessa direção, políticas de ação afirmativa estão se mostrando capazes de aumentar a diversidade no ensino superior, com impactos positivos nos salários dos grupos minoritários beneficiados por elas. Muitos argumentam que políticas de ação afirmativa praticadas em larga escala em universidades de elite poderiam, inclusive, aumentar a mobilidade social.

O acesso a uma universidade de elite influencia a mobilidade social através de um mecanismo bastante intuitivo: a educação superior de qualidade melhora as perspectivas salariais dos formandos. Mas há inúmeros outros mecanismos atuando, que vão desde o aprendizado que se dá entre os alunos que compõem a classe até as oportunidades de emprego que se materializam de acordo com contatos e relacionamentos construídos durante a faculdade. Se eles forem importantes, a escala na qual uma política de ação afirmativa é implementada pode afetar os resultados que se obtêm com ela.

0
A psicóloga Loise Lorene, mestranda na Uerj e que foi cotista na graduação de psicologia na própria universidade - Tércio Teixeira/Folhapress

Como políticas de ação afirmativas mais amplas podem afetar os salários e a empregabilidade dos estudantes admitidos em universidades de elite? A experiência pioneira da Uerj, que em 2003 passou a reservar 45% das vagas em cada curso para candidatos desfavorecidos —muito antes da lei de cotas de 2012—, permite acompanhar a trajetória desses alunos desde o ingresso na faculdade e formatura até a entrada e progressão no mercado de trabalho. Em um estudo em parceria com Evan Riehl e German Reyes, examinamos os benefícios da política da Uerj, bem como suas limitações.

Em nossa análise, mostramos que estudantes negros e alunos de escolas públicas foram positivamente impactados: as taxas de formatura dos cotistas são aproximadamente as mesmas das taxas dos estudantes que ingressaram pelo processo de ampla concorrência. Além disso, os cotistas tiveram acesso a empregos de maiores salários, levando a um aumento em seus rendimentos no início de suas carreiras.

No entanto, os benefícios iniciais não se mostraram duradouros: os ganhos salariais diminuíram à medida que os cotistas progrediam em suas carreiras. Nosso estudo também revelou que a ação afirmativa teve efeitos não intencionais sobre outros alunos da Uerj. Após a adoção da ação afirmativa, os estudantes com as melhores notas no processo de ampla concorrência tiveram um pior desempenho no mercado de trabalho.

O que estaria por trás do resultado adverso desta política de ação afirmativa em larga escala? O benefício de frequentar uma universidade de elite é influenciado por características de nota e renda dos alunos que compõem o corpo estudantil. Uma turma de alto desempenho permite que os professores ministrem cursos em nível avançado, e a reputação da universidade em formar bons alunos cria incentivos para que as empresas busquem esse perfil nas suas contratações. Os alunos, por sua vez, se beneficiam da interação com colegas de renda mais alta, o que melhora suas perspectivas de emprego no futuro.

Assim, é possível que políticas que aumentem a diversidade possam reduzir os benefícios da admissão para todos os estudantes, incluindo aqueles que foram admitidos por meio da ação afirmativa. Usando as notas de desempenho do Enade, mostramos que o aprendizado durante a faculdade cai, o que é coerente com a hipótese de que os professores podem ter reduzido a dificuldade do material para acomodar a maior variabilidade nos níveis de preparação da turma admitida. Nossa análise também mostra que as chances de os alunos obterem empregos bem remunerados por meio de conexões com colegas se reduzem, chamando atenção para a importância das redes de amigos e contatos na trajetória profissional das pessoas.

Caroline Borret, aluna cotista de engenharia de produção da UERJ, negra e de cabelo curto, sorri
Caroline Borret, aluna cotista de engenharia de produção da Uerj - Arquivo pessoal

Se, de um lado, políticas como a ação afirmativa podem ajudar estudantes de origens desfavorecidas a obter empregos melhores no início de suas carreiras, de outro, também podem reduzir os benefícios de frequentar uma escola de elite, principalmente se a política for implementada em grande escala.

Não se deve esperar que políticas de ação afirmativa desfaçam todas as disparidades que existem entre candidatos universitários privilegiados e desfavorecidos. Mas seus efeitos podem ser magnificados através de ações que aumentem o aprendizado e o desempenho dos alunos desfavorecidos ao longo de toda a trajetória escolar, desde a infância até a adolescência. Políticas de diversidade em estágios anteriores à universidade também têm grande potencial para ampliar o acesso a melhores oportunidades de emprego via integração com amigos de renda mais alta. Entender os mecanismos através do qual uma política de ação afirmativa atua é fundamental para fazer com que ela acelere o processo de redução das nossas desigualdades.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.