Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Descrição de chapéu Enem

Os dez anos da lei de cotas

Cinco direções promissoras para aprimorar a política nos próximos anos

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Em resposta à lei de cotas nas instituições federais de ensino superior (IFES), que acaba de completar dez anos, a proporção de matrículas dos grupos (a) de alunos oriundos de escolas públicas, (b) de pretos, pardos e indígenas oriundos de escolas públicas e (c) de pretos, pardos e indígenas de baixa renda oriundos de escolas públicas aumentou, respectivamente, 10, 7 e 2 pontos percentuais, uma variação 18%, 29% e 34% relativa à média das matrículas em cada grupo (Mello, 2022).

Os dados mostram de forma incontestável que a reserva de vagas democratizou o acesso ao ensino superior gratuito, diminuindo um pouco as inúmeras desigualdades econômicas e étnico-raciais ainda presentes na nossa sociedade.

Se de um lado a política de cotas foi capaz de promover a inclusão e diversidade, de outro há detalhes de implementação que podem ser aprimorados, magnificando sua eficácia para o público-alvo. Celebro esta década de conquistas listando cinco direções promissoras para a política de cotas.

Estudantes protestam por cotas raciais na reitoria da USP em 2012 - Caio Kenji/Folhapress

1. Alocação de vagas: cada candidato compete por vagas apenas na modalidade de cota escolhida. Isso significa que um candidato que é negro, de baixa renda e oriundo de escola pública participa em apenas uma das quatro listas para o qual se qualifica (ensino médio em escola pública; ensino médio em escola pública e negro; ensino médio em escola pública e baixa renda; ensino médio em escola pública, negro e baixa renda). A combinação de critérios de elegibilidade, ao invés de expandir, diminui o conjunto de escolhas.

No modelo atual, é possível que um candidato seja rejeitado quando escolhe lista que considera todos os seus atributos, mas aceito quando participa de lista com menos atributos. Permitir que os candidatos participem em todas as listas para o qual se qualificam corrige essa distorção (Aygün e Bó, 2021).

2. Comissões de heteroidentificação racial: apesar do caráter autodeclaratório da raça/cor, diversas denúncias de fraudes vêm levando à criação de comissões nas universidades para análise da declaração dos candidatos. Entretanto, a ausência de critérios objetivos e aplicáveis em âmbito nacional resulta em disputas morosas e custosas, que acrescentam insegurança e incerteza na escolha dos candidatos cotistas. Aperfeiçoar os mecanismos de validação e estimula autodeclaração de acordo os objetivos postos pela política de ação afirmativa.

3. Focalização por renda: cerca de 75% da população satisfaz o critério de 1,5 salários mínimos per capita, evidenciando que esta é uma caracterização abrangente da baixa renda. A focalização da política de cotas entre os mais pobres pode ampliar a representatividade dos mais vulneráveis em cada grupo elegível à cota.

4. Permanência e progressão: apenas 43% dos alunos em IFES concluíram seu curso ao fim de dez anos após o ingresso (Inep, 2022). A progressão dos alunos em seus cursos de escolha segue um dos principais desafios para a política de cotas, especialmente para alunos de baixa renda. Combinar critérios de admissão por cotas com políticas de permanências dos cotistas é importante para garantir que o acesso ao ensino superior se materialize em um diploma universitário.

5. Avaliação longitudinal e acesso a dados: o aumento das matrículas é apenas o primeiro de muitos efeitos previstos pela política de cotas. Democratizar o acesso a informações e permitir a vinculação de fontes alternativas de informação às bases de dados do Inep é fundamental para avançarmos no conhecimento sobre as políticas de ação afirmativa, entendendo a forma pela qual o acesso ao ensino superior expande as opções de emprego e as trajetórias profissionais dos cotistas e quais políticas adicionais se farão necessárias para garantir os ganhos educacionais se convertam em reais oportunidades.

As desigualdades da sociedade brasileira são muitas, e o combate à pobreza e o estímulo à mobilidade social dificilmente serão resolvidas com uma bala de prata. A lei de cotas é apenas um dos muitos passos que se farão necessários para combater nossas desigualdades.

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