Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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O real e o fiscal

Por trás do sucesso da moeda havia um forte compromisso com a disciplina das contas públicas

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O Plano Real foi um programa de estabilização desenhado para resolver décadas de inflação descontrolada no país. Antes dele, diversos outros planos foram tentados. Todos fracassaram.

Pela quantidade e frequência das tentativas, fica evidente que a hiperinflação era uma questão que precisava ser resolvida. Mas não se sabia muito bem como, e nem se as ações necessárias seriam viáveis politicamente.

O que então teria diferenciado o real de seus antecessores, fazendo com que apenas ele tivesse sucesso?

Venda de passagens no mês de estreia do real, em julho de 1994 - Toni Pires - 8.jul.1994/Folhapress

O Plano Real foi colocado de pé com base em dois importantes pilares. O primeiro estabeleceu uma reforma monetária criativa e inovadora: uma superindexação da economia através da criação de uma ‘quase’ moeda, a URV.

Em linhas gerais, é justamente a indexação que alimenta a inércia inflacionária através de frequentes reajustes de preços. Mas, no Plano Real, a URV servia apenas como unidade de conta. Ela tinha seu valor atualizado diariamente, mas não circulava.

Por quatro meses antes do real, a população conviveu com duas moedas: uma que perdia valor diariamente, e outra, que mantinha o seu valor estável. Neste período, diversos preços passaram a ser convertidos para URV, e em julho de 1994, quando 1 URV se converteu em R$ 1, todos os preços da economia passaram a ser denominados na nova moeda.

E, assim, como em um grande truque de mágica, o real entrou em cena, a URV e a superindexação foram abandonadas, e a inflação retrocedeu. Mas para o plano dar certo era preciso alguma coisa a mais, algo que atacasse a origem da hiperinflação.

No Plano Real, o diagnóstico era de que o processo inflacionário era causado pelo desequilíbrio das contas públicas. Desta forma, o controle da inflação pressupunha esforço político para cortar excessos de gastos que seriam posteriormente erodidos pela inflação ou financiados pelo imposto inflacionário.

O segundo pilar do plano buscou o equilíbrio das contas públicas e foi construído a partir do lançamento do Programa de Ação Imediata (PAI), em 1993. O PAI previa a redução dos orçamentos dos ministérios, a revisão dos repasses de recursos para estados e municípios, e ajustes nas estruturas dos bancos públicos, entre inúmeras outras ações.

Somando esforços, o Congresso ainda aprovou em fevereiro de 1994 uma emenda constitucional que permitia a desvinculação de algumas receitas do governo federal, garantindo um corte significativo no orçamento do próprio ano.

Além disso, os termos finais da renegociação da dívida externa brasileira reforçaram a confiança na solvência do estado, criando um ambiente positivo para mudanças.

Fica claro que, por trás do sucesso do real, havia um forte compromisso com disciplina fiscal, e a perspectiva de que o equilíbrio das contas públicas fosse não apenas mantido e como também ampliado nos anos seguintes.

Mas a história dos últimos 30 anos mostra que o equilíbrio fiscal permanece em constante questionamento, sendo por vezes ameaçado por períodos de enorme insensatez, por vezes resgatado em momentos de lucidez.

Pela métrica da dívida pública, houve pouco progresso. Entre 2013 e 2024, a dívida pública aumentou mais de 20 pontos percentuais, 5 dos quais apenas nos últimos dois anos.

Foi apenas a partir do controle da inflação que outros desafios sociais e econômicos puderam ser endereçados de forma mais efetiva. O real deixa como lição que equilíbrio fiscal é uma condição importante para o crescimento e desenvolvimento econômico do país, e que ele precisa ser preservado. Não há criatividade fiscal que perdure sem este entendimento.

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