Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

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Celso Rocha de Barros

Bolsonaro pede bênção a papai Orbán

A viagem-manifesto do presidente foi um spoiler dos seus próximos movimentos

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Com dois anos de atraso, Bolsonaro finalmente conseguiu fazer a viagem-manifesto que queria. Bolsonaro planejava visitar os líderes autoritários de Hungria e Polônia em 2020, na mesma época em que começou a convocar atos golpistas, mas foi impedido pela pandemia.

Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, foi um dos poucos chefes de Estado que compareceram à posse de Jair. Logo depois da eleição, Eduardo Bolsonaro foi a Budapeste e voltou dizendo que havia aprendido como se lida com a imprensa. Na semana passada, a viagem-manifesto finalmente aconteceu.

De pé, o presidente Jair Bolsonaro participa de cerimônia em viagem à Rússia
O presidente Jair Bolsonaro, ao centro, participa de cerimônia em viagem à Rússia - Maxim Shemetov - 16.fev.2022/AFP

Antes de Budapeste, Jair encontrou-se com Vladimir Putin, a matriz de todos os novos autoritários. Ninguém duvida que Putin é o ditador da Rússia. Mas quando foi o golpe de Estado? Nunca.

Putin progressivamente foi perseguindo a imprensa, aparelhando as instituições, e, em algum momento, os russos acordaram sem a chance real de alternância de poder.

O prestígio de Putin na Rússia é, até certo ponto, compreensível: a transição pós-comunista na Rússia foi mais desastrosa do que qualquer coisa que nós, aqui no Brasil, tenhamos visto em tempos modernos: o PIB caiu 30%, o Estado colapsou, a expectativa de vida desabou, a bolsa quebrou em 1999.

Putin não conseguiu recolocar a Rússia no caminho do desenvolvimento, mas, ao menos, deu a impressão de parar a queda.

Orbán não tem nenhuma dessas desculpas. A Hungria teve uma transição pós-comunista incomparavelmente mais tranquila, voltou a crescer em poucos anos, estabeleceu uma democracia razoavelmente sólida, entrou para a União Europeia e passou a ser considerada um caso de sucesso por todas as agências internacionais.

Foi essa democracia, muito mais robusta do que a russa, que Orbán destruiu.

Como que o Jair não ia gostar disso?

Orbán governou dentro das regras por todo seu primeiro mandato, como Chávez também fez. Nisso, ambos foram muito mais moderados que Bolsonaro. Daí em diante, Orbán foi desmontando a democracia húngara pouco a pouco.

A idade de aposentadoria dos juízes da Suprema Corte foi reduzida, como a bolsonarista Bia Kicis vem tentando fazer no Brasil, permitindo que Orbán enchesse o tribunal de Augustos Aras húngaros.

Sem a ameaça de controle constitucional pela Suprema Corte, Orbán modificou regras eleitorais para favorecer seu partido.

Destruiu a mídia independente húngara com a suspensão de propaganda oficial em veículos críticos (como Bolsonaro ameaçou fazer com Folha e Globo) e a aquisição, por seus aliados, das empresas de comunicação por "Jovem Pans" húngaras.

Usou extensivamente a corrupção para ameaçar empresários que não o apoiassem e para favorecer seus Véios da Havan.

Também há fortes suspeitas de que Bolsonaro não foi visitar Putin às vésperas de uma guerra, desestabilizando a relação do Brasil com Washington, para comprar bonequinhas matrioscas.

Não se deve exagerar a importância dos ataques cibernéticos russos nas vitórias do Brexit ou de Trump; mas eles ajudaram a bagunçar processos eleitorais difíceis.

De novo: como que o Jair não ia gostar disso?

Enfim, a viagem-manifesto de Bolsonaro por Rússia e Hungria foi um spoiler dos próximos movimentos de Bolsonaro: melar a eleição e iniciar uma transição autoritária em seu segundo mandato.

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