Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow

Eleitores da Geórgia desafiam tentativas de atrapalhar 2º turno das midterms nos EUA

Esperas em longas filas muitas vezes afetam desproporcionalmente pessoas não brancas

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Na tarde da terça (29), esperei mais de uma hora e meia para votar em Atlanta no segundo turno entre o democrata Raphael Warnock e o republicano Herschel Walker por uma vaga no Senado pela Geórgia.

Este é meu segundo ciclo eleitoral no estado, mas não me acostumei com o tempo de espera para votar. Essa espera é em si uma tática de supressão dos eleitores. É um imposto de capitação pago em tempo.

Eleitores aguardam em fila para votação presencial antecipada em Atlanta, na Geórgia
Eleitores aguardam em fila para votação presencial antecipada em Atlanta, na Geórgia - Alex Wong - 29.nov.22/Getty Images via AFP

Vivi por mais de 25 anos em Nova York, onde sempre considerei natural que votar fosse uma coisa tranquila. Durante anos levei meus filhos à cabine de votação, para que pudessem ver como funciona o processo eleitoral. Nunca havia fila. Talvez houvesse uma ou duas pessoas à nossa frente, mas não havia uma espera real.

Eu não faria a mesma coisa aqui na Geórgia. Obrigar uma criança a esperar numa fila longa no frio pode ser considerado um abuso. Mas enquanto eu aguardava, outra coisa me ocorreu: a supressão de eleitores é uma das curas mais certeiras da apatia. Nada faz você valorizar uma coisa tanto quanto o fato de alguém estar tentando roubá-la de você.

A fila, com todas as pessoas esperando pacientemente nela, é um símbolo de resiliência e perseverança. É algo que nos lembra que as pessoas se dispõem a fazer um esforço grande para superar obstáculos para realizar coisas que veem como essenciais.

Aguardar em filas é um aspecto tão habitual das eleições na Geórgia que alguns condados chegam a postar seus tempos de espera online, para que os eleitores possam programar sua chegada de modo a minimizar a espera.

Essas esperas muitas vezes afetam desproporcionalmente os eleitores não brancos. Segundo um relatório da Georgia Public Broadcasting e da ProPublica divulgado antes do dia da eleição em 2020, um número cada vez mais reduzido de locais de votação "tem sido o principal responsável por longas filas em bairros não brancos, onde o número de eleitores registrados tem aumentado e mais moradores votaram presencialmente no dia da eleição".

Segundo o relatório, os nove condados da zona metropolitana de Atlanta "possuem quase metade dos eleitores ativos do estado, mas contam com apenas 38% dos locais de voto". Mas esses eleitores não se deixaram dissuadir.

Durante a eleição geral, os eleitores marcaram um recorde do número de votos antecipados numa eleição midterm na Geórgia, e na segunda-feira e novamente na terça eles marcaram recordes diários de eleição antecipada num segundo turno na Geórgia. É interessante notar que estimados 35% dos votos antecipados recebidos até agora são de afro-americanos, porcentagem um pouco superior à de afro-americanos na população da Geórgia.

É uma prova da perseverança desses eleitores, porque, como disse o presidente do Brennan Center for Justice, Michael Waldman, foram eles os visados "com precisão espantosa" pela onda mais recente de supressão de eleitores no estado. Waldman escreveu que o governador Brian Kemp "assinou sua lei de supressão de eleitores diante de uma pintura de uma ‘plantation’ em que mais de cem pessoas negras tinham sido escravizadas". "O simbolismo hediondo e perturbador é quase excessivamente apropriado."

As pessoas que defendem a supressão de eleitores apontam para esses números como prova de que seus críticos estão exagerando, criando um problema onde não existe. Mas esse é o oposto da verdade, a meu ver. Para mim, os eleitores estão simplesmente desafiando os esforços para serem suprimidos.

Mas é possível que esse desafio não seja o bastante. Embora os números recordes diários sejam animadores, eles são em parte consequência de uma nova lei eleitoral republicana que cortou pela metade o número de dias de eleição antecipada. Mesmo com essa participação extraordinária dos eleitores, é improvável que os números de eleitores antecipados neste ano se equiparem aos que votaram no segundo turno do ano passado entre Warnock e a então senadora republicana em exercício, Kelly Loeffler.

Além disso, os republicanos apresentaram um candidato singularmente ofensivo na pessoa de Herschel Walker, homem indigno de ocupar um cargo eletivo. Ele é uma caricatura ambulante de competência e excelência negra, como se candidatos negros fossem intercambiáveis, independentemente de suas realizações ou qualidades.

O tempo todo que eu estava esperando na fila, fiquei pensando em como essa espera seria impossível para alguém que cuida de filhos pequenos ou de idosos ou para alguém cujo emprego –ou empregos—não permite uma pausa tão longa no meio do dia.

Outra coisa: eu fui votar num dia de temperatura amena. E as pessoas cuja única oportunidade de votar pode ser num dia de chuva ou frio? Na fila em que esperei, 90% do tempo foi passado ao ar livre.

Sinto apenas desdém pelos esforços para suprimir o voto no estado onde agora resido, mas apenas admiração pela determinação dos eleitores em não deixar que sua vontade seja suprimida.

A democracia está sendo salva pela pura força de vontade de pessoas que estão escalando uma montanha que nunca deveria ter sido colocada diante delas.

Tradução de Clara Allain

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