No Dia de Ação de Graças, ao refletirmos sobre família, amigos, comida e a alegria e a necessidade da congregação comunitária, reservei um instante para agradecer por alguns dos momentos mais significativos que tive na vida, um tempo sozinho num espaço silencioso: meu tempo nas bibliotecas.
Em uma era de crescente proibição de livros, cortes de verbas para bibliotecas e até ameaças de bomba, parece que agora, mais do que nunca, devo deixar claro quão valiosas e centrais as bibliotecas foram para minha vida e meu sucesso.
A primeira biblioteca em que entrei foi na escola primária. Tínhamos permissão para ir lá durante uma hora, uma vez por semana. Lembro-me de que fiquei maravilhado com o espaço: uma sala retangular forrada com estantes de madeira, lotadas de livros do piso ao teto.
Lembro-me de ter pensado, quando criança, que estava numa caverna de livros escritos por pessoas ao longo do tempo e do mundo todo, que cada volume provavelmente continha milhares de ideias —e me perguntei como poderia colocar todas aquelas ideias na minha mente.
Eu era um leitor movido por uma missão. Queria saber coisas, todas elas. Eu ansiava por fatos, instruções, conhecimento. Mas não leria de boa vontade narrativas de não ficção até que foi exigido —e não iria apreciá-las até a faculdade.
Talvez tenha sido devido à pequena coleção de livros que tínhamos em casa, reunidos numa pequena estante caseira, no corredor, com cerca de 1 metro quadrado e três prateleiras. Uma prateleira guardava uma enciclopédia —branca com listras vermelhas na encadernação e letras vermelhas na capa–, enquanto as outras eram de livros aleatórios que minha mãe pegava quando a biblioteca do colégio reduzia suas pilhas no final de cada ano.
Eram todos livros de consulta. Era o que eu imaginava que todos os livros fossem. Eu lia as entradas da enciclopédia o tempo todo. Era o equivalente moderno a descer pela toca do coelho enquanto se navega na web.
Se tivéssemos uma biblioteca pública na cidade, eu teria passado meus dias nela, mas não tínhamos. A mais próxima ficava a 13 km de distância, na cidade de Arcadia, na Louisiana. Na verdade, a cidade onde cresci –Gibsland, em homenagem a um homem chamado Gibbs, que ali tinha uma plantação– só abriu a própria biblioteca neste ano, quase 140 anos depois das primeiras eleições locais.
Ironicamente, Gibsland é hoje uma cidade moribunda, cuja população vem diminuindo há décadas. O número de pessoas que vivem lá hoje –773, para ser exato, de acordo com o Departamento do Censo em 2020– é metade das que havia no ano em que nasci.
Mas especialmente para esse tipo de pessoa, em áreas rurais, bibliotecas podem ser uma ferramenta incrível. Quando eu estava no último ano do ensino médio, ganhei uma vaga para a Feira Internacional de Ciências e Engenharia, que naquele ano, 1988, estava sendo realizada em Knoxville, no Tennessee. Foi a primeira vez que voei e a primeira vez que viajei para longe de casa.
Determinado a não me expor como um caipira, fui à biblioteca em Arcadia e verifiquei cada livro de etiqueta nas prateleiras. Eles eram familiares para mim –livros de referência, de regras que, na minha mente, eram a única coisa que me separava de uma aparência de refinamento e sofisticação. Devorei aqueles livros.
Acho que se poderia dizer que agora todas essas informações podem ser encontradas online, mas a banda larga de alta velocidade não é tão onipresente quanto você imagina. Em 2019, o Fundo de Caridade Pew mostrou que o número de americanos sem banda larga "poderia ser superior a 163 milhões", e isso incluía 40% das escolas e 44% dos adultos em famílias com renda abaixo de US$ 30 mil (R$ 159,2 mil).
Devo aplaudir a administração de Joe Biden por usar bilhões de dólares do financiamento do Plano Americano de Resgate para ajudar a acabar com essa divisão digital, mas para aqueles que ainda não têm internet de alta velocidade as bibliotecas ajudam a preencher a lacuna.
Ainda na faculdade, foi nas bibliotecas que me encontrei, não só física, mas espiritualmente. Foi nos livros da biblioteca da faculdade que vi e li pela primeira vez sobre pessoas abertamente "queer", que li pela primeira vez sobre os motins de Stonewall e o movimento pelos direitos gays. Os livros ficavam guardados num canto da biblioteca que quase ninguém parecia visitar, mas eu ia lá com frequência.
Nas pilhas, aprendi que minha diferença não era anômala. Até aquele momento, mesmo na faculdade, eu nunca havia conhecido uma pessoa que fosse abertamente gay.
E anos atrás, quando estava escrevendo meu primeiro livro, encontrei-me na seção principal da biblioteca pública da cidade de Nova York não porque precisasse fazer pesquisas —era um livro de memórias—, mas porque o espaço em si parecia mais alinhado com a tarefa de escrever. Era como ir à igreja para rezar.
Essas são apenas algumas das maneiras como as bibliotecas tocaram minha vida. Na verdade, não consigo me imaginar chegando a esse ponto da vida sem elas. E sou grato por isso.
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