Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow
Descrição de chapéu The New York Times

Lei contra drag queens expõe ânsia conservadora de mirar vulneráveis nos EUA

Homens heterossexuais acham graça em imitar mulheres para zombar da feminilidade, mas veem perversão em arte LGBT

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The New York Times

"O objetivo da lei é aterrorizar as pessoas." É assim que Patrick Grzanka, professor de psicologia na Universidade do Tennessee e presidente do programa interdisciplinar sobre mulheres, gênero e sexualidade, descreve a nova e radical lei antidrags do estado –uma das primeiras do tipo no país.

O texto, que o governador republicano Bill Lee assinou na quinta-feira (2), criminaliza apresentações de "cabaré adulto" que são "prejudiciais a menores". Inclui "imitadores de homem ou mulher" em propriedade pública ou onde possam ser vistos por crianças. Ela entra em vigor em 1º de abril, sendo a primeira ofensa uma contravenção e as subsequentes, crimes.

As drag queens Sherry Poppins (à esq.) e Qhrist Almighty durante festival em Nova York - Camila Falquez - 11.set.21/The New York Times

Não muito antes de Lee assinar a lei, apareceu uma foto do anuário de 1977 mostrando-o vestido como mulher quando estava no colégio. Acusações de hipocrisia vieram rapidamente.

Mas não acho que pessoas como Lee vejam isso como hipocrisia. Eles veem hilaridade em homens heterossexuais vestirem roupas femininas para zombar da feminilidade, mas veem obscenidade e perversão em homens (geralmente) gays fazendo o mesmo (só que melhor!) para celebrar a feminilidade e encontrar um senso de afirmação e autorrealização.

Eles veem seu papel como guardiões da fronteira entre suas definições estreitas e normativas de "masculino" e "feminino", garantindo que ninguém a cruze. São sentinelas do patriarcado, muito dispostas a oprimir ou tentar intimidar seus concidadãos.

E o texto impreciso da lei do Tennessee parece calibrado para provocar o máximo de dúvida e, portanto, de medo: como se define a imitação de um homem ou de uma mulher? (Será que uma representação no ensino médio, por exemplo, conta?) Homens e mulheres transgênero podem ser processados? Como é definido o dano a menores, e quem o define?

Como me disse Grzanka: "Esqueça a responsabilização. Nem precisa haver coerência interna na legislação, desde que promova o ódio". Ele vê a lei antidrags como uma continuação de "uma espécie de inundação legislativa" pela direita para gerar reação contra o progresso LGBTQIA+ que muitos veem como "uma enorme ameaça aos valores heterossexuais cristãos brancos".

Ele acredita que a lei é parte de uma "política de contenção projetada para colocar as pessoas LGBT+ de volta em seu lugar e, claro, o lugar é encolhendo-se de medo dentro no armário".

As artistas drag do Tennessee que entrevistei para esta coluna apontaram a opacidade da lei como fonte da apreensão em torno dela. Por exemplo, no estado, as apresentações de drags nas paradas do orgulho gay –eventos alegres adotados em todos os EUA– agora serão ilegais?

Como me disse Cameron Wade, uma artista drag de Nashville que se apresenta sob o nome de Justine Van de Blair, essa imprecisão foi preparada para permitir abusos, e a mensagem que o projeto envia é que "a sobrevivência LGBTQIA+ não é importante e que não somos bem-vindos aqui".

Embora o Tennessee esteja liderando essa odiosa corrida antidrag, não é o único estado envolvido nela. No final do mês passado, a governadora republicana Sarah Huckabee Sanders, do Arkansas, assinou um projeto de lei que restringe as "apresentações voltadas para adultos", medida que na origem visava explicitamente os artistas drag antes de ser diluída diante da oposição.

Segundo o Índice de Igualdade Estadual da Campanha de Direitos Humanos (HRC), 29 dos 315 propostas anti-LGBT foram transformados em legislação em 2022, e o grupo agora está rastreando cerca de 750 projetos em favor da comunidade apresentados nas legislaturas estaduais em todo o país. Como aponta a HRC, "mais da metade são projetos de lei que causarão danos reais à comunidade LGBT+".

E o Tennessee não parece ter terminado. Enquanto escrevia esta coluna na segunda-feira (6), os legisladores estaduais estavam trabalhando para exigir que artistas pagos "orientados para adultos" em obtenham uma licença e para proibir que crianças assistam a essas apresentações. Com o projeto assinado na semana passada, o Tennessee já adotou 14 leis anti-LGBT desde 2015, "mais do que qualquer outro estado do país", segundo o HRC.

Michelangelo Signorile, apresentador de rádio e autor do presciente livro de 2015 "It’s Not Over: Getting Beyond Tolerance, Defeating Homophobia and Winning True Equality" [Não acabou: indo além da tolerância, derrotando a homofobia e conquistando a verdadeira igualdade], disse-me que os políticos conservadores estão "vendo isso como a questão de que precisam para superar completamente uns aos outros na guerra cultural", porque acham que é isso que sua base quer.

Signorile aponta que os projetos de lei antidrags entrelaçam ainda mais os laços políticos existentes na direita, agrupando a doutrinação infantil e o abuso com qualquer coisa ligada a LGBTs para semear desconfiança e fanatismo. Esses esforços contribuem para o medo dos abusadores, o que se encaixou com a aprovação na Flórida da chamada lei "Não Diga Gay".

De acordo com um relatório da HRC divulgado em agosto, tuítes odiosos de apenas dez pessoas sobre "abusadores" de "foram vistos cerca de 48 milhões de vezes, o equivalente a 66% do alcance dos 500 tuítes mais vistos". Essas dez pessoas incluíam as deputadas republicanas Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, e Lauren Boebert, do Colorado.

Os conservadores, tendo sofrido perdas nos últimos anos em questões de direitos LGBTQIA+, encontraram um subconjunto menor e mais vulnerável para atacar: aqueles que lutam pelos direitos de identidade de gênero.

Embora o público tenha desenvolvido nas últimas décadas uma melhor compreensão de orientação sexual, seu entendimento do que é gênero está atrasado. Nesse contexto, algumas pessoas confundem apresentar-se como drag e ser transgênero.

De fato, no mesmo dia em que Lee assinou a legislação antidrag, ele também assinou uma lei para proibir essencialmente tratamentos de afirmação de gênero para jovens trans.

Essas leis representam uma ameaça real tanto para os artistas drag quanto para a comunidade trans. Uma criminaliza a expressão artística; a outra criminaliza as pessoas por serem quem são. Juntas, elas encorajam ainda mais os grupos de ódio já mobilizados sobre questões de gênero.

Esse ódio e a opressão que ele gera são perigosos e potencialmente mortais. Todas as pessoas merecem viver suas vidas na plenitude de suas verdades.

Monica Lusk, uma artista drag e trans de Memphis que se apresenta sob o nome de Monica Dupree, disse-me que se sente duplamente atacada pela lei do Tennessee e que está "louca da vida". "Ser drag salvou minha vida", disse ela. Tudo porque ela foi a um show 23 anos atrás e finalmente pôde se ver. "Drag" não significa "indecente". Mas ser drag geralmente liberta e às vezes salva.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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