Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Prefeita de Chicago não se reelege e faz soar alerta para líderes negros

Rival de Lori Lightfoot capitalizou insegurança pública e segregação racial para ganhar votos de população não negra

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Foi uma rejeição chocante. Na terça-feira (28) a prefeita de Chicago, Lori Lightfoot, primeira mulher negra e primeira pessoa abertamente LGBTQIA+ a governar a cidade, foi derrotada no primeiro turno eleitoral, recebendo apenas 17% dos votos e tornando-se a primeira prefeita em 40 anos a não se reeleger.

Entrevistei Lightfoot em seu gabinete em Chicago, quatro dias antes da eleição. Com seu pé-direito alto, o espaço era um choque estético: como muitos prédios públicos, possui uma espécie de grandeza prudente que evoca a importância do cargo de seu ocupante, mas sem indicar excesso. Mais ou menos como a própria Lori Lightfoot, que, de terno cinza elegante, acomodou seu corpo pequeno numa cadeira espaçosa.

Lori Lightfoot, prefeita de Chicago, em comício após não avançar ao segundo turno em tentativa de se eleger para um segundo mandato
Lori Lightfoot, prefeita de Chicago, em comício após não avançar ao segundo turno em tentativa de se eleger para um segundo mandato - Kamil Krzaczynski - 28.feb.23/Getty Images via AFP

Durante a entrevista de quase uma hora, Lightfoot engasgou e precisou fazer força para não chorar quando falou dos sacrifícios que seus pais fizeram para ela e seus irmãos. Um sorriso iluminou seu rosto quando falamos de todos os memes que a converterem em heroína popular no início de seu mandato, e ela se encheu de orgulho ao falar de suas maiores realizações como prefeita, incluindo o modo como ela e sua equipe enfrentaram a crise da Covid-19.

Mas não foi por isso que eu fui até a cidade gelada à beira do lago. Fui para lá porque Lightfoot faz parte de um grupo recém-eleito de prefeitos negros de grandes cidades americanas, grupo que inclui Eric Adams, em Nova York, Sylvester Turner, em Houston, e Karen Bass, em Los Angeles.

Nessas cidades os habitantes negros são superados em números por outros grupos não brancos. Em Nova York e Chicago, a comunidade negra vem encolhendo.

Cada um desses quatro prefeitos foi eleito ou reeleito no auge de dois fenômenos culturais sísmicos: o movimento Black Lives Matter e a pandemia. Dos quatro, Lightfoot seria a primeira a enfrentar os eleitores e testar as consequências daqueles fenômenos. (Sylvester Turner não pode se candidatar a um terceiro mandato.)

Está claro que ela não se saiu bem.

Em um nível, os resultados da eleição da terça apontam para a importância que pode assumir a questão da criminalidade e como pode ser usada como tática para meter medo nos eleitores. Lightfoot disse que essa questão foi usada como ferramenta política em sua disputa eleitoral, sem sombra de dúvida: "Há gente que usa isso como porrete para me bater todos os dias. O único candidato branco na disputa está se apresentando como alguém que será o grande salvador branco da segurança pública."

Esse candidato branco é Paul Vallas, o mais bem colocado na terça-feira, com 34% dos votos. Vallas fez uma campanha apresentando-se como candidato da lei e da ordem que será intransigente com o crime, chegando a dizer a uma multidão que sua "campanha inteira se baseia em retomar nossa cidade, pura e simplesmente".

Lori Lightfoot caracterizou a frase como "apito de cachorro total".

Em nossa entrevista ela foi brutal em sua avaliação racial de Vallas: "Ele está dando voz e plataforma a pessoas que odeiam quem não é branco e republicano em nossa cidade, em nosso país". E ela foi surpreendentemente franca em relação a como a questão racial opera na cidade: "Chicago é uma cidade profundamente dividida e segregada".

É essa divisão, que para Lightfoot é fomentada por candidatos que enxergam a política na cidade como um jogo de soma zero, que ofereceu a Vallas uma brecha para ganhar a adesão dos cidadãos brancos da cidade. Como disse Lightfoot, "pessoas que não estão acostumadas a ter contato com violência, especialmente pessoas na zona norte de nossa cidade, estão comprando o que Vallas está vendendo".

De fato, Vallas venceu em muitos distritos da parte norte de Chicago, enquanto Lightfoot ganhou na maioria dos distritos da zona sul da cidade, de maioria negra.

Mas duas coisas podem ser verdadeiras simultaneamente: pode haver preocupações legítimas com o aumento da criminalidade e a a criminalidade pode ser instrumentalizada como questão política divisiva, especialmente contra políticos eleitos não brancos, algo que já aconteceu muitas vezes antes.

Neste momento em que o país ainda enfrenta o trauma social generalizado desencadeado e exacerbado pela pandemia, os prefeitos estão sendo vistos como responsáveis por essa criminalidade. Se toda a política é local, o crime e a segurança pública são as questões mais locais de todas. E, quando a percepção da criminalidade entra em choque com conceitos sociais entranhados de raça e gênero, os políticos podem pagar o preço, especialmente se são mulheres negras.

Em 2021, depois de combater o que descreveu como "a onda de criminalidade da Covid", a prefeita de Atlanta, Keisha Lance Bottoms, optou por não se candidatar à reeleição, tornando-se a primeira prefeita negra da cidade a ter apenas um mandato. A prefeita de Nova Orleans, LaToya Cantrell, corre o risco de ter sua reeleição revogada, em grande medida devido à questão da criminalidade em sua cidade. Esta semana, organizadores anunciaram ter coletado assinaturas suficientes para exigir um voto de revogação.

A criminalidade frequentemente ocorre em ondas, mas resta uma pergunta sobre como as pessoas, mesmo liberais, reagem quando uma onda chega ao máximo sob liderança negra. Será que prefeitos negros são culpados fácil e rapidamente demais pela alta na criminalidade, e, se sim, por quê? Por uma falta de determinação de reprimir os criminosos ou por conta de uma crença latente e mais insidiosa na ineficiência da liderança negra em tempos de crise?

Lori Lightfoot disse que entende que, como mulher e pessoa não branca, "sempre serei vista sob uma ótica diferente. As coisas que eu faço e digo, a intransigência que exibo, são vistas como divisivas. Sou vista como prefeita antipática, consideram que não consigo colaborar com ninguém."

Mesmo assim, ela reconheceu: "Se você sente que sua vida foi colocada em risco porque problemas de segurança pública chegaram à porta de sua casa, os números não vêm ao caso –você precisa se sentir em segurança".

Mas os sentimentos sobre questões de política, crime e raça também influem sobre nossos vieses conscientes e inconscientes. Nesse sentido, Lightfoot pode ser um prenúncio do que está por vir para outros prefeitos negros de grandes cidades, ou pelo menos um alerta: com a onda de criminalidade da Covid persistindo, será que seus cidadãos, majoritariamente não negros, vão sentir que a segurança deles está sendo priorizada e protegida sob uma liderança negra?

Tradução de Clara Allain

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