Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Descrição de chapéu The New York Times LGBTQIA+

Judiciário freia campanha 'antiwoke' do Partido Republicano nos EUA

Tentativas de impor espécie de federalismo semifascista estão sendo derrotadas pela própria democracia constitucional

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The New York Times

Antes mesmo de a poeira da eleição presidencial dos EUA de 2020 baixar, republicanos dos legislativos estaduais em todo o país já haviam se reagrupado em torno de uma cruzada "antiwoke" e antivoto.

Tendo perdido o controle da Presidência e do Congresso, eles canalizaram sua busca por controle para as cabines de votação, os banheiros, os vestiários, as salas de aula e os consultórios médicos.

Já que não podiam controlar os mais altos escalões do poder, buscaram controlar a vida dos americanos dos escalões mais baixos. Intrometeram-se nas relações mais íntimas possíveis: entre os eleitores e seus votos, entre famílias e médicos, entre professores e alunos.

Manifestante ergue bandeira LGBTQIA+ diante da Câmara Municipal de Los Angeles, na Califórnia, durante protesto
Manifestante ergue bandeira LGBTQIA+ diante da Câmara Municipal de Los Angeles, na Califórnia, durante protesto - Mario Tama - 2.jul.23/Getty Images via AFP

A batalha se converteria de ataque aéreo a guerra de trincheiras. E, nela, o Arkansas saiu na frente, aprovando a primeira lei do país a tornar ilegal a assistência médica a crianças que queriam se tornar transgênero. O governador Asa Hutchinson, longe de ser amigo da comunidade queer, vetou a lei em 2021, dizendo que ela criava "novos padrões de interferência legislativa sobre médicos e pais no momento em que estes lidam com algumas das questões mais complexas e delicadas da nossa juventude".

Ele disse ainda que o projeto de lei posiciona "o Estado como oráculo definitivo da assistência médica, passando por cima de pais, pacientes e especialistas médicos". E argumentou que o governo estaria excedendo tremendamente suas atribuições. Pré-candidato presidencial republicano com poucas chances de ser escolhido, Hutchinson parece ter entendido que o esforço era anticonstitucional e interferia em relações profundamente íntimas, do mesmo modo que —no passado— os republicanos uma vez alegaram, hipocritamente, que os supostos "painéis da morte" do Obamacare fariam.

Mesmo assim, os legisladores de Arkansas anularam o veto do governador. A nova lei foi então novamente contestada, e um juiz federal a proibiu permanentemente. Escreveu que a regra é anticonstitucional.

Estamos vendo em vários estados sinais promissores de que o Judiciário pode acabar atuando como freio à campanha republicana incansável para destituir de poder e roubar direitos dos cidadãos.

As tentativas do Partido Republicano de impor uma espécie de federalismo semifascista estão sendo derrotadas por nossa própria democracia constitucional. Neste mês, um juiz federal emitiu uma liminar a favor de três jovens transgênero e contra as disposições de uma lei da Flórida que nega o atendimento de afirmação de gênero a crianças. Em um texto altamente crítico à lei estadual, o juiz disse que é provável que as famílias "prevalecerão em sua alegação de que a proibição é anticonstitucional".

Quase 20 estados se apressaram a promulgar leis semelhantes, enxergando vantagem política em inflamar guerras culturais e atropelando a saúde, o bem-estar e os direitos constitucionais dessas crianças nesse processo.

No ano passado, um juiz estadual emitiu uma liminar temporária suspendendo algumas das investigações que, estabelecidas pelo Departamento de Proteção e Serviços Familiares do Texas a pedido do governador do estado, Greg Abbott, apuravam casos de "crianças texanas sujeitas a procedimentos abusivos de transição de gênero". O magistrado escreveu que, sem a liminar, as famílias "sofreriam danos prováveis, iminentes e irreparáveis nesse ínterim".

Em outra frente, na semana passada um juiz federal bloqueou temporariamente uma lei que autorizava a Flórida a penalizar empresas que deixassem crianças assistir a apresentações de drag queens. O texto da lei original era tão impreciso que alguns desfiles de orgulho LGBTQIA+ organizados no estado foram alterados ou cancelados para evitar descumpri-la.

Neste mês, um juiz federal emitiu uma decisão contra uma lei semelhante no Tennessee, dizendo que a medida "exala o mal constitucional da imprecisão".

O mesmo partido político que defende os direitos dos pais quando eles assediam educadores para protestar contra o que está sendo ensinado e lido em sala de aula não dá a mínima para os direitos desses mesmos pais quando eles querem garantir a melhor assistência a seus filhos, ou que eles tenham consciência do amplo espectro da humanidade e suas possibilidades de expressar amor.

Os políticos republicanos que defendem essas leis antiamericanas não são absolutistas constitucionais —são oportunistas constitucionais. O mesmo se aplica às eleições, uma área em que a estratégia republicana já ficou clara: em vez de transformar o partido para atrair uma parcela maior do eleitorado, muitos políticos republicanos buscam reduzi-lo, encolhendo a arquitetura eleitoral e tentando remover ou restringir os aspectos do processo democrático que podem levá-los a ser derrotados.

Querem com isso mudar o próprio significado da democracia, reduzindo-a um governo escolhido pelos escolhidos, uma versão mais originalista (teoria jurídica que defende que a Constituição deve ser interpretada com base no entendimento das leis no momento em que elas foram adotadas) do nosso sistema, cuja participação é limitada a apenas certas pessoas.

Mas, novamente, o Judiciário –neste caso, a Suprema Corte— interveio para detê-los. O tribunal acaba de decidir que a corte abaixo dela deve rever o mapa do eleitorado de Louisiana, o que deve fazer com que um distrito de maioria negra seja adicionado a ele. A Suprema Corte ainda rejeitou a absurda teoria da "legislatura estadual independente" que teria dado a legislaturas estaduais enviesadas a palavra final sobre a administração eleitoral federal.

Os republicanos foram rejeitados em ambos os pontos. A Constituição prevaleceu. Isso deve doer para um partido que há décadas se diz guiado pela Constituição.

O Tea Party dos anos 2000 e do início de 2010 se dizia um movimento constitucional, e muitos de seus adeptos professavam o originalismo constitucional como um de seus princípios fundamentais. Em 2012, o programa do Partido Republicano declarava: "Somos o partido da Constituição, o pacto solene que confirma nossos direitos individuais dados por Deus e garante que todos os americanos sejam iguais perante a lei".

O programa de 2016 essencialmente repetiu a mesma afirmação, mas acrescentou: "Reafirmamos os princípios fundamentais da Constituição: governo limitado, separação de Poderes, liberdade individual e Estado de Direito". (Em 2020, o partido nem sequer divulgou um novo programa.)

Essas declarações nunca foram totalmente verdadeiras, mas agora são uma paródia da verdade. Aquele Partido Republicano foi engolido inteiro, como uma jiboia devora uma cobra menor.

Tradução de Clara Allain

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