Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

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Cida Bento

Os condenados dos palácios e os suspeitos das favelas

Homens dos palácios muitas vezes escapam à lei e organizam-se para mudá-la

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No Brasil, uma característica bem conhecida da atuação da Justiça e de órgãos policiais é a diferença, a desigualdade, entre o tratamento concedido a brancos ricos ou influentes e aquele dado a pretos, pobres e moradores da periferia, como bem demonstram as recentes chacinas de jovens "suspeitos" em favelas e periferias de Guarujá (SP), Salvador (BA) e Rio.

A letalidade da atuação da polícia nesses territórios acontece estimulada pela certeza da impunidade dos agentes públicos que praticam essas ações. As declarações e os comunicados das autoridades para explicar esses massacres quase sempre enfatizam a condição de "suspeito" das pessoas que morreram, como se isso justificasse tais assassinatos.

Manifestação contra 16 mortes em ação policial na Baixada Santista - Danilo Verpa - 2.ago.23/Folhapress

Cabe lembrar que pesquisa recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre o perfil das pessoas processadas e a produção de provas nas ações criminais por tráfico de drogas mostra que a maioria dos processados é de jovens negros, mas que em apenas 13% dos processos há menção a alguma facção criminosa.

De onde vem esse discurso, essa narrativa dos agentes do Estado? A socióloga Lívia Maria Terra, que estudou o discurso policial em seu mestrado na Unesp, nos ensina que emana do aparato jurídico a necessidade de higienização da população. A ideia de que determinadas raças e classes sociais são potencialmente criminosas. Segundo a pesquisadora, essa ideia de uma "natureza criminosa" inseriu-se originalmente na força policial militar que busca cumprir os desígnios do Estado e do aparelho jurídico.

Do lado oposto, os crimes de "colarinho branco", termo cunhado por Edwin Shuterland, são praticados por homens que não são jovens, têm anos de experiência no local onde praticam o crime, além de não serem pobres ou periféricos e terem influência social e principalmente poder. São crimes difíceis de serem punidos, pois o perfil desses homens, em geral políticos e empresários, não é enxergado como o perfil de criminosos.

Talvez seja oportuno introduzir nessa conversa a lembrança de como se comportou a Polícia Federal, recebida a bala (muitas) pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson, logo em seguida tratado com cordialidade pelos agentes que o prenderam, tratamento que prosseguiu em outras instâncias.

Roberto Jefferson ao chegar ao presídio de Benfica, no Rio de Janeiro - Reprodução - 24.out.22/TV Globo

Ou ainda o caso —denunciado em uma série de reportagens pela Agência Pública— de uma rede de exploração sexual de meninas e mulheres mantida pelo fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, morto em 2014, cujos crimes teriam sido abafados graças a acordos judiciais mantidos sob sigilo.

Ou, trazendo mais um exemplo, a possível aprovação definitiva da PEC da Anistia na Câmara, apelidada assim por livrar os partidos políticos de punições por não cumprirem o percentual de cotas de 30% para mulheres e para pessoas negras e pardas.

Essas cotas, fruto de luta histórica de mulheres e negros, poderiam tornar os Parlamentos mais diversos e plurais, impedindo que continuassem majoritariamente masculinos e brancos, como são hoje. Que nome a gente vai dar quando os caras já estão condenados, deveriam devolver o dinheiro público, mas se "organizam" para mexer na legislação que os criminaliza? Que nome damos a essa "organização"?

Notícia publicada por esta Folha em junho informou que a "PEC da Anistia pode perdoar calote de R$ 740 milhões de partidos em candidaturas negras e R$ 140 milhões nas candidaturas femininas".

Os partidos foram condenados, mas, nesse caso, obviamente, não cabe enviar a polícia para os palácios! Mas, se fossem jovens e negros na favela e na periferia, bastaria serem considerados suspeitos para serem levados ao cemitério.

Os homens dos palácios, muitas vezes, nem à lei são levados. Muito pelo contrário, organizam-se para mudar a lei.

Esta coluna teve a colaboração de Flávio Carrança, da Cojira

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