Clarissa Gross

Doutora pela Faculdade de Direito da USP e Coordenadora da Plataforma de Liberdade de Expressão e Democracia (PLED) da FGV Direito SP

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O contexto e a liberdade de expressão

Discurso político inflamado, ainda que muitas vezes estéril e desnecessário, é direito do cidadão

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A liberdade de expressão é tema difícil e complexo. Para bem delimitar aquilo que ela faculta e protege, é preciso fazer distinções. Ano eleitoral marcado por polêmicas de expressão pede nossa reflexão cuidadosa.

Liberdade de expressão não se confunde com ameaça. No entanto nem todo discurso que utiliza palavras cujo sentido do dicionário remete a ameaça constitui discurso proibido e punido pelo direito. A ameaça precisa ser crível. Ainda, o Código Penal determina que o crime de ameaça é aquele de imposição de um mal injusto e grave.

“Político X, nós vamos acabar com a sua raça”, diz o post na rede social. É o tipo de frase que poderíamos atribuir a cidadãos situados em pontos diversos do espectro político. A linguagem é de ameaça. A princípio, porém, não especifica um mal injusto e grave. Ainda, a depender do contexto, o post poderia ser lido como exemplo de expressão apaixonada de indignação política, tal como em situações de polarização política.

Seria diferente se as mesmas palavras fossem proferidas por uma pessoa num vídeo enquanto aponta arma para a câmera. Nesse caso, o sentido de suas palavras é alterado ao se juntar a gesto comunicando disposição de impor um mal injusto e grave, como o de levar um tiro. As palavras ali proferidas constituem ameaça proibida pelo direito penal.

Para pensar em limites à liberdade de expressão no debate público de ideias, o contexto em que as palavras são proferidas é central. Um mesmo conjunto de palavras pode ser protegido como expressão política individual em certa situação, enquanto pode ser proibido e punido em situação diversa.

A preocupação com o contexto acompanha o juízo em torno da incitação à ação ilícita. O mero uso de linguagem de convocação abstrata para ações ilícitas não pode ser proibido. Ainda, é preciso que haja um vínculo direto entre o discurso que convoca para a ação ilícita e o risco de ocorrência iminente da ação.

“Escalpelem os comunistas”, diz o post. Poderia ter versão diferente: “Escalpelem os fascistas”. Trata-se do uso de uma linguagem de convocação genérica para a ação. O melhor sentido a ser dado a essas palavras, em um contexto em que dificilmente poderiam mobilizar de forma iminente pessoas a violar a integridade física umas das outras, é de extravasamento da raiva em relação a certas convicções políticas.

Muitas vezes é difícil avaliar os elementos do contexto para julgar se um discurso é ou não caso de ameaça crível ou incitação iminente, categorias não protegidas pela liberdade de expressão. Mas o esforço faz sentido porque, em uma democracia, o discurso político inflamado, ainda que muitas vezes estéril e desnecessário, é direito do cidadão.

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