Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin

O anti-intelectualismo e os livros queimados

Proteger livros e pessoas de ataques ao pensamento é fundamental

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Participei recentemente de um debate muito interessante, no MIS de São Paulo, sobre o filme "Fahrenheit 451", de François Truffaut. Para me preparar, reli o livro de Ray Bradbury em que ele se baseou, o que me trouxe algumas reflexões sobre o que hoje vivemos.

A produção de Truffaut é de 1966, apenas 13 anos depois da obra de Bradbury. Em ambas, emerge uma sociedade distópica, onde se queimam livros, percebidos como perigosos à segurança social. Um bombeiro (em inglês "firefighter", o que traz uma ressignificação ao termo), neste contexto, repensa sua função de responsável pela queima de bibliotecas inteiras, secretamente possuídas por alguns habitantes.

A Segunda Guerra, terminada havia pouco quando do lançamento da obra de Bradbury, trazia lembranças atrozes de livros queimados em cenas públicas e da perseguição a pensadores como Stefan Zweig, Thomas Mann ou Erich Maria Remarque. Ser intelectual era, no contexto, um fato visto com grande desconfiança não só por governantes como por turbas ensandecidas, que, por algum tempo, engrossaram os quadros da SA, posteriormente suplantada pelas temidas SS.

O escritor Ray Bradbury (1920-2012), em sua casa em Los Angeles, em 2009 - Ethan Pines/The New York Times

O alerta do poeta alemão Heinrich Heine, feito pouco menos de um século antes, soava como profético: "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas".

Mas Ray Bradbury, autor de "Fahrenheit", estava se referindo não só ao passado, mas sobretudo a uma realidade viva em sua época, o macarthismo, período em que, findo o ajuste de contas com o nazismo, o senador McCarthy liderara um movimento para combater o que ele percebia como "comunismo" —e, aqui novamente, intelectuais e suas obras pareciam muito perigosos e deveriam ser combatidos de todas as formas.

O filme de Truffaut não se restringe ao que coloca a obra literária e dá nova dimensão a personagens, como a jovem Clarisse McClelland, que orienta o bombeiro em sua descoberta da importância dos livros. As mulheres, que somem na parte final do livro, aparecem no filme com papel de destaque, afinal uma década depois da publicação já vivíamos um período em que o movimento de emancipação da mulher ganhava destaque.

O tema ressurge agora, num contexto em que movimentos populistas de extrema direita se expandem pelo mundo, mesmo que com reveses recentes na Europa e nos EUA. O anti-intelectualismo, o desprezo pelo saber letrado e uma visão racista reemergem, num processo que nos relembra um passado que preferiríamos esquecer.

Proteger livros e pessoas de ataques ao pensamento é fundamental para não criarmos, como bem mostra "Fahrenheit 451", uma sociedade hedonista de seres robotizados.

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