A senhora que trabalha na portaria do meu prédio está evangélica há um ano. Palavras dela. Não sei que idade tem, uns 60, talvez. Era espírita até há pouco, só que abriu uma igreja nas vizinhanças da comunidade. Prático, ela achou. Virou evangélica. Mas com um discurso de quem nasceu crente —sem querer ofender os que realmente têm suas crenças.
Ela estava indignada com o que as escolas de samba fizeram com a fé dos outros. Jesus negro? Que absurdo, todo mundo sabe que o prometido era loirinho, os olhos bem claros, da cor do céu. Jesus mulher? Blasfêmia. A serventia da mulher é para outras coisas, muitas coisas, não para isso. De onde tiraram tamanha bobagem? Reclamou também do Cristo que Joãosinho Trinta embrulhou para driblar a Arquidiocese do Rio de Janeiro, em outros carnavais. Foi lá que começou essa balbúrdia com a religião, afirmou.
Sobrou para o “rapaz da televisão”, Marcelo Adnet, que encarnou o Altíssimo em cima de um carro alegórico. Falta de respeito. Por que não vai carpir um terreno? E os pulos, deitado no chão, que coisa mais sem graça? Ela não sabia que as flexões de pescoço são marca registrada de um certo alguém.
Desconfio que nem tenha identificado o personagem que a performance retratou. Do Adnet passou para as jornalistas que distorcem tudo, para a Globo com programas que não são de Deus, para as mulheres que mostram os peitos no meio da rua, para a pouca vergonheira da juventude, homem com homem, mulher com mulher, onde a gente vai parar?
Saber mesmo ninguém sabe. No máximo, procura-se estar informado —e não pelo WhatsApp, de preferência. Ofereci a ela o meu jornal, podia pegar todos os dias lá em casa. Agradeceu, tem três cachorras, jornal faz falta.
Antes que eu entrasse no elevador, falou que o benefício não veio, que o marido e a filha continuam desempregados, que os netos ainda não tinham vaga na creche e que há dias madrugava no posto para conseguir uma ficha, a alergia cada vez pior. Se eu podia adiantar um dinheirinho, ela paga assim que der. O pastor falou que as coisas estão melhorando, só quem é do contra não vê.
Às vezes, a ignorância é uma benção.
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