Claudio Bernardes

Engenheiro civil e vice-presidente do Secovi-SP, A Casa do Mercado Imobiliário

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Falta de moradias gera cidades com 'acesso restrito'

Quando demanda por habitação cresce nesses municípios, há aumento dos preços e consequente gentrificação

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Faz parte do processo de planejamento de uma cidade a instituição de normas sobre o uso e a ocupação do solo, que envolvem definição de potenciais construtivos, níveis de adensamento populacional, limites de altura para as edificações, localização das diversas atividades no tecido urbano, mecanismos de preservação ambiental etc. Esses regramentos, ao mesmo tempo que organizam o crescimento das cidades, colocam limites sobre o seu desenvolvimento.

Quando esses regramentos estipulados pelos planejadores têm como efeito principal ou secundário o bloqueio do desenvolvimento de novas moradias, principalmente em locais que possibilitem o deslocamento diário das pessoas em tempos razoáveis, pode-se definir a cidade como de “acesso restrito”.

Quando cresce a demanda por moradias nas cidades de “acesso restrito”, dois são os resultados imediatos: aumento do custo da habitação e a consequente expulsão das pessoas que não podem pagar por essa elevação de custos para regiões mais afastadas da cidade, nas quais os valores das moradias são mais acessíveis.

Edifícios na região central de São Paulo
Edifícios na região central de São Paulo - Leila Fugii - stock.adobe.com

Esse efeito recai desproporcionalmente sobre as pessoas de menor renda, não só porque elas gastam porcentagem maior de sua renda com habitação, quando comparadas com famílias de alta renda, mas porque são, frequentemente, locatários que pagam mais pelo aluguel sem que possam desfrutar dos benefícios do aumento no valor do imóvel.

Não é simples definir quais limites normativos tornam uma cidade de “acesso restrito”, pois, além dos regramentos urbanísticos, existem outros parâmetros envolvidos na viabilização habitacional. Contudo, os planejadores municipais devem buscar o equilíbrio entre o necessário arcabouço normativo para a organização do desenvolvimento da cidade, e a viabilidade da produção de moradias a preços acessíveis.

Embora disposição constitucional garanta ao município a autonomia sobre a promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, o governo federal, com ações suplementares, pode ajudar a evitar a criação de cidades de “acesso restrito”.

Dentre as possíveis ações suplementares do governo federal para auxiliar na viabilização de moradias em locais onde é possível o deslocamento diário das pessoas em tempos razoáveis, estão o investimento localizado em infraestrutura de transporte de massa, a desburocratização de processos, os subsídios federais à casa própria, e as linhas de financiamento à produção e à aquisição com baixas taxas de juros.

É fato que, nas últimas décadas, na maioria das cidades do mundo, proporcionalmente, a renda vem caindo em relação ao preço das moradias. Para reverter essa situação, necessitamos de um alinhamento entre regramentos urbanísticos, políticas tributárias e subsídios. A maximização do potencial de utilização do solo e a decorrente otimização da infraestrutura instalada são aspectos essenciais para viabilizar a produção habitacional.

Entretanto, mesmo quando o uso do solo é maximizado e a burocracia minimizada, o mercado privado pode ainda não ter condições de produzir a quantidade necessária de moradias acessíveis para as famílias de baixa renda, mesmo com subsídios dos governos estadual e federal. Portanto, outros instrumentos urbanísticos podem ser utilizados para viabilizar essa produção.

Um deles, e que pode ter seu alcance significativamente ampliado, é a chamada cota de solidariedade, existente na legislação urbanística do município de São Paulo, por meio da qual os empreendimentos para pessoas de maior renda contribuem para a produção de empreendimentos voltados para aqueles de menor renda, tendo como contrapartida ao empreendedor a possibilidade do aumento de potencial construtivo, modelo que garante o necessário equilíbrio para aplicação do instrumento.

Existem diversos mecanismos e alternativas para se evitar o desenvolvimento de cidades de “acesso restrito”. Entretanto, é importante ter ciência do problema, identificar suas condições de contorno, dentro das especificidades municipais, e estruturar modelos que possam resolvê-lo de forma definitiva.

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