Claudio Bernardes

Engenheiro civil e vice-presidente do Secovi-SP, A Casa do Mercado Imobiliário

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As operações urbanas correm risco de acabar

Mecanismo de incentivo à parceria entre empresas e poder público precisa de atratividade e segurança para funcionar

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A operação urbana é um importante instrumento urbanístico introduzido na legislação brasileira pelo Estatuto da Cidade em 2001. Trata-se de um mecanismo de incentivo à parceria entre a iniciativa privada e o poder público, por meio da flexibilização de parâmetros urbanísticos mediante contrapartida financeira do setor empresarial, materializada pela comercialização de títulos, denominados Cepac (Certificado de Potencial Adicional de Construção), em leilões públicos.

De forma bem simplificada, o funcionamento das operações pode ser resumido da seguinte maneira: o município define os objetivos de desenvolvimento e as respectivas intervenções em determinada região da cidade, calcula o montante de recursos necessários, e transforma esses recursos em uma quantidade de Cepac, que é vendida em leilão público.

Prédios em construção, com guindaste, e bairro residencial ao fundo
Edifícios em construção nas proximidades da av. Rebouças, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

As empresas que compram esses títulos podem usá-los como moeda para adquirir a flexibilização de parâmetros urbanísticos, que será usada na produção de empreendimentos imobiliários ou em outros tipos de construção. O município, por sua vez, utiliza os recursos arrecadados investindo nas obras necessárias para atingir os objetivos de desenvolvimento definidos na operação urbana.

Muitos planejadores urbanos usaram esse instrumento nos últimos anos, principalmente nas cidades de maior porte, que têm capacidade para absorver, com grandes ganhos para a cidade, um mecanismo desse tipo. Exemplos exitosos da utilização desse instrumento na capital paulista incluem as Operações Urbanas Faria Lima e Água Espraiada.

Entretanto, para que possa funcionar adequadamente, essa parceria depende de dois fatores absolutamente essenciais: atratividade e segurança.

Se não existir atratividade, não haverá interesse e a operação fracassará. Por outro lado, se não houver segurança, o instrumento também fracassará. E é preciso deixar claro que a segurança no funcionamento das operações urbanas vem sofrendo duros golpes nos últimos anos.

No que diz respeito à imperiosa necessidade de atratividade e segurança, alguns exemplos são muito claros, entre eles destaco os dois mais importantes.

O primeiro, é da Operação Urbana Rio Verde-Jacu, instituída no Plano Diretor Estratégico de 2002, numa região carente de investimentos e desenvolvimento, e sem atratividade para o mercado. A operação teve sua lei aprovada em 2004, e revogada em 2016, sem que um único Cepac fosse comercializado. A lição a aprender neste caso é que, em situações análogas, o poder público deve investir antecipadamente para gerar atratividade e possibilitar o funcionamento adequado da operação.

O segundo exemplo é da Operação Urbana Água Branca, cuja revisão teve um projeto de lei enviado à Câmara Municipal em 2012. Durante as discussões, os vereadores resolveram aumentar o valor dos Cepac em tal magnitude, que acabou por retirar a atratividade da operação. Como resultado, desde a promulgação da lei, em 2013, nenhum Cepac foi vendido em leilão público.

Oito anos depois, e esclarecida a falta de atratividade da operação em função do alto valor dos certificados, decidiu-se aprovar uma nova lei, reduzindo o valor dos títulos, para dar atratividade à operação e permitir o seu funcionamento.

Resolvida essa questão, foi sancionada uma nova lei. Contudo, antes mesmo de ela entrar em vigor, ação promovida pelo Ministério Público levou a Justiça a conceder liminar suspendendo os efeitos da lei, introduzindo a insegurança no processo, fator que impede o sucesso das operações.

E os exemplos não param por aí. Uma das exitosas operações implantadas na cidade de São Paulo, a Operação Urbana Água Espraiada, que até então tinha se mostrado atrativa e segura, sofreu duros golpes.

O TCM (Tribunal de Contas do Município) suspendeu, em 16 de dezembro de 2020, o leilão que deveria ter acontecido no dia 17 daquele mês, argumentando que o valor do Cepac não deveria ser aquele fixado no edital, mas outro proposto pelo TCM. Além disso, levantou-se uma questão trivial sobre o prazo de publicação do edital.

Essa atitude prejudicou vários empresários que se prepararam para o leilão. Muitos, inclusive, realizaram operações financeiras para adquirirem os certificados. Por mais incrível que possa parecer, essa questão ficou pendente de solução no TCM por mais de um ano!

Passados 392 dias, em 12 de janeiro deste ano, o TCM finalmente autorizou um novo leilão. Outro edital foi publicado, e aqueles que conseguiram sobreviver aos compromissos assumidos, em função da demora na solução do impasse criado, prepararam-se para um novo leilão.

Surpreendentemente, o TCM suspendeu novamente o leilão, que aconteceria nesta terça-feira (8), usando o mesmo argumento de valoração dos Cepac, e acrescentando mais um item: a quantidade de títulos a serem colocados à venda. Esse, creio, pode ter sido o golpe de misericórdia nas operações urbanas, que começam a não apresentar, aos olhos do mercado, mais nenhuma segurança de investimento.

Sem entrar nas questões de mérito, que podem ter nuances diversas, é muito triste acompanhar fatos como esses, que ocorrem sucessivamente, e observar que os responsáveis por tirar a atratividade e a segurança das operações estão contribuindo para que elas acabem definitivamente e, dessa maneira, seja encerrada a vida de um instrumento urbanístico tão importante, com potencial para trazer inúmeros benefícios para as cidades e para os seus cidadãos.

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