Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

O 'Lula mexicano' será domado?

Andrés Manuel López Obrador, 'flagelo' dos mercados, à beira da vitória

López Obrador usa blazer preto e camisa branca. Ele levanta os dois braços para o alto. Ao fundo, aparecem esmaecidos papéis picados e fogos de artifício.
O candidato esquerdista à Presidência do México Andrés Manuel López Obrador acena para seus seguidores no último comício antes da eleição deste domingo (1º) no Estádio Asteca, na Cidade do México, nesta quarta-feira (27) - Edgard Garrido/Reuters

É irresistível a tentação de comparar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o mexicano Andrés Manuel López Obrador, mesmo com a inescapável ressalva de que nunca é possível transpor automática e completamente situações de um país para outro, de um líder político para outro.

Mas as coincidências chamam a atenção. A primeira delas: a obsessão em ser presidente da República. Lula tentou três vezes, fracassou em todas, mas não desistiu. Elegeu-se na quarta tentativa e reelegeu-se na quinta.

López Obrador, mais conhecido pelo acrônimo AMLO, perdeu nas duas primeiras vezes em que se candidatou à Presidência do México. Também não desistiu e, agora, é o franco favorito para ganhar a eleição deste domingo (1º). Favorito não só pelo que dizem as pesquisas mas também pelo virtual consenso dos analistas políticos.

Mas uma segunda coincidência é mais relevante: ambos são o "flagelo" dos mercados e do mundo empresarial, para usar o rótulo que a agência Reuters sapecou em AMLO nesta terça-feira (26).

Lula foi tão hostilizado pelo empresariado que Mário Amato, então presidente da Fiesp, chegou a dizer que 800 mil empresários deixariam o país se o petista fosse eleito (em 1989, na sua primeira tentativa).

Em 2002, quanto mais Lula subia nas pesquisas, mais caía a Bolsa e subia o dólar —as maneiras práticas que os agentes de mercado encontram para "votar".

Com AMLO, a diferença é que foi ele, ao contrário de Lula, quem abriu fogo contra o empresariado. Sua primeira salva já foi de grosso calibre: chamou os membros do Conselho Mexicano de Negócios, principal central empresarial, de "uma minoria gananciosa", que havia sequestrado o governo para beneficiar seus negócios e que "não queria parar de roubar".

Em seguida, trombou de frente com o mais poderoso empresário mexicano e um dos homens mais ricos do mundo, Carlos Slim. O empresário é o promotor da construção de um novo aeroporto para a Cidade do México, orçado em US$ 13 bilhões (R$ 49 bilhões). AMLO disse que a obra não só era desnecessária como estava crivada de corrupção.

O troco de Slim foi dizer que não há razão para que AMLO interfira no projeto do aeroporto.

Já a reação de outros empresários foi além das palavras: Germán Larrea, presidente do poderoso Grupo México, enviou carta a seus cerca de 50 mil empregados em que condena, por antecipação, o modelo de AMLO, definido como populista: seria, diz a carta, "o regresso a um modelo econômico que está mais que provado que não funcionou em vários países". Cita, entre eles, Venezuela, Argentina, Cuba e a extinta União Soviética.

É um evidente exagero comparar as propostas de López Obrador aos modelos de Cuba e da extinta URSS ou ao fracassado socialismo do século 21 da Venezuela. Mas é uma evidência do desconforto empresarial com a perspectiva da vitória de AMLO.

As semelhanças com Lula conduzem inexoravelmente a uma pergunta, ante a óbvia dificuldade de governar contra os mercados: o mexicano coincidirá com Lula também em uma guinada ao centro?

A resposta só virá, como é óbvio, após a vitória, se confirmada. Será a hora de saber se AMLO passará a usar o bordão "paz e amor", o que ajudou Lula a vencer —e a governar— em 2002.

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