Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

É preciso espantar a xenofobia

Já temos a extrema-direita, falta evitar a sua irmã gêmea

O governo equatoriano tomou a sensata iniciativa de convocar para 17 e 18 deste mês uma reunião de emergência de 13 países latino-americanos para “estabelecer as políticas que são indispensáveis para enfrentar da melhor forma e da maneira mais responsável o fluxo incomum de cidadãos venezuelanos”, segundo Santiago Chávez, vice-ministro de Mobilidade Humana.

Venezuelanos dormem ao redor da rodoviária de Boa Vista, capital de Roraima.
Venezuelanos dormem ao redor da rodoviária de Boa Vista, capital de Roraima. - Avener Prado/Folhapress

Sensata primeiro porque se trata de um dos mais amplos movimentos migratórios na história da América Latina. São, segundo as Nações Unidas, cerca de 2,3 milhões de venezuelanos que desde 2014 fugiram de um país que conhece um processo de destruição política, social e econômica sem precedentes no subcontinente.
 

Sensata também porque o êxodo se dirige majoritariamente aos países da própria região, sejam os vizinhos imediatos (Colômbia e Brasil), sejam os próximos (Peru, Equador), sejam até os que ficam no extremo oposto da América do Sul (Argentina e Uruguai).

É evidente, diante desses fatos, que só uma ação coordenada pode, eventualmente, estabelecer políticas que pelo menos deem início a um processo de enfrentamento do que já é uma crise.
 

Iniciativa sensata, finalmente, porque incidentes como os de Pacaraima (Roraima), amplamente divulgados, indicam que o fluxo de refugiados pode chocar o ovo da serpente da xenofobia.
No momento em que o Brasil vive uma campanha eleitoral em que, pela primeira vez desde a redemocratização, a extrema-direita está presente com um candidato, caso de Jair Bolsonaro (PSL), é imperioso fazer tudo o que for possível para evitar que se enraíze a xenofobia.

Extrema-direita e xenofobia são irmãs siamesas, pelo menos na Europa, igualmente às voltas com uma crise migratória terrível. Eric Kaufmann, professor de Política no Birkbeck College (Universidade de Londres), prestes a lançar livro sobre populismo, imigração e “o futuro das maiorias brancas”, chama a atenção para esse vínculo em artigo para a revista Foreign Affairs: lembra que a xenofobia em países como Dinamarca, França e Holanda, com “foco menor” na Alemanha, levou a que partidos populistas de direita ganhassem entre 12% e 35% dos votos.

“Todos foram afetados pela crise de migração de 2015”, completa.

Na América Latina, por enquanto, os incidentes com migrantes não extravasaram para o território político-eleitoral. Mas, como a crise migratória só tende a aumentar, porque o governo do venezuelano Nicolás Maduro é absolutamente incapaz de fazer qualquer coisa sensata, torna-se urgente estabelecer políticas “responsáveis” como pede o governo equatoriano.
 

Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas, escreve para Americas Quarterly que a América do Sul está diante de um de seus mais complexos desafios humanitários e políticos em anos. “As implicações para os direitos humanos, o emprego, a segurança fronteiriça e o esforço contra o crime organizado poderão ser profundas”, completa.

O triste em relação ao encontro regional deste mês em Quito é que o Brasil comparecerá a ele sem ter um governo que funcione ou ao menos que pense. Pelo peso regional que tem e pela tradição de acolhimento a imigrantes, o Brasil seria decisivo neste debate. 

Vai ficar devendo.

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