O presidente Jair Bolsonaro tem agendadas duas viagens internacionais, não por acaso para países governados no momento por seus dois maiores ídolos, o americano Donald Trump e o israelense Binyamin Netanyahu.
Ótimo. O Brasil deve manter de fato boas relações com ambos, como, de resto, o tem feito nos últimos muitíssimos anos.
O problema é que Bolsonaro chegará a Washington e Jerusalém em um mau momento —talvez péssimo— para seus ídolos.
Os rolos de Trump têm sido divulgados um dia sim, o outro também, mas atingiram um cume de escândalo depois do depoimento ao Congresso de Michael Cohen, o ex-advogado pessoal do presidente.
Como se sabe, Cohen chamou seu ex-cliente de racista, mentiroso e vigarista.
Pode estar mentindo? Pode, até porque já mentiu antes. Mas, convenhamos, poucas pessoas teriam melhores condições para avaliar Trump do que Cohen, que com ele conviveu por dez anos.
Vale, a propósito, mencionar o que escreveu David Frum para The Atlantic: “O depoimento de Cohen pode não se mostrar inteiramente correto, mas todo ele é plausível”.
É terrível que uma publicação importante ache plausível que o presidente seja um vigarista.
Há, no depoimento de Cohen, um trecho que convida o ministro Sergio Moro a pensar, depois do vexatório desconvite a Ilona Szabó: o ex-advogado, relata o New York Times, ofereceu um retrato daninho da vida na órbita do presidente —na qual, disse, assessores sacrificam integridade pela proximidade com o poder.
Depois da visita a essa Washington tóxica, Bolsonaro partirá para Israel.
Lá, o procurador-geral Avichai Mandelblit avisou que está dando os passos necessários para eventualmente indiciar o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, envolvido em três casos de corrupção e de abuso de poder.
Antes, Mandelblit ouvirá o premiê. Se não se convencer de suas explicações, vai indiciá-lo, no que seria a primeira vez na história de Israel em que um primeiro-ministro enfrentará acusações criminais na posse do cargo.
O indiciamento parece provável, porque “a investigação [que pode levar ao indiciamento] foi conduzida com cautela, alguns até diriam com excessiva cautela, ao longo de muito tempo”, como disse ao jornal digital The Times of Israel Suzie Navot, professora de Direito Constitucional e Parlamentar.
Bolsonaro desembarcará em Israel dias antes da eleição de 9 de abril, em que o simples anúncio do indiciamento pode desbancar Netanyahu: pesquisa de The Times of Israel mostra que o indiciamento roubaria seis cadeiras no Knesset, o Parlamento, da coligação que apoia o premiê, reduzindo-as a 55 de um total de 120. Sem indiciamento, Netanyahu teria uma minoria rasa —61 cadeiras.
Seria, portanto, prudente que Bolsonaro tratasse de manter alguma ponte com o novo bloco de oposição, capitaneado por um militar como o presidente brasileiro o foi.
Chama-se Benny Gantz, ex-chefe do Estado Maior das Forças de Defesa de Israel. Ele criou o bloco “Azul e Branco” (cores da bandeira de Israel) com dois outros ex-chefes militares (Moshe Yaalon e Gabi Ashkenazi), além do centrista Yair Lapid.
Seria bom que o presidente brasileiro aprendesse que simpatias pessoais não podem determinar relações de país para país, ainda mais quando os ídolos de Bolsonaro estão tão enrolados.
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