Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Twitter não é diário oficial

Falar em 140 caracteres não é governar

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Há um ditado chinês que diz que “falar não cozinha o arroz”. Aposto que chineses mais contemporâneos diriam que tuitar tampouco cozinha o arroz ou qualquer outro alimento.

Serve à perfeição para um certo Donald John Trump, que divide as funções de presidente dos Estados Unidos como as de “Twitter-in-chief”, como o chamou outro dia um colunista cujo nome perdi.

Poderia citar um punhado de investidas de Trump nas redes sociais que não cozinharam o arroz. Mas vou ficar só nas duas que estão mais presentes no noticiário.

Logo do Twitter, plataforma na qual Donald Trump tem 58,9 milhões de seguidores
Logo do Twitter, plataforma na qual Donald Trump tem 58,9 milhões de seguidores - Leon Neal/AFP

Primeiro, os ataques contínuos aos imigrantes, prometendo tratá-los a pão e água —ou nem isso, na verdade. 

Cozinhou o arroz, ou seja, desestimulou a vinda de imigrantes? Nadica de nada: só no mês passado, 76 mil estrangeiros entraram ilegalmente nos Estados Unidos, o número mais alto em 12 anos.

Se se interessasse mais em estudar os problemas do que em tuitar, Trump saberia que a principal causa para a emigração em massa de centro-americanos é a violência em seus países (Guatemala, Honduras e El Salvador). 

Qual é o maior fornecedor de armas de fogo para esses países? 

Adivinhou: os Estados Unidos.

O tuitero-chefe, no entanto, está tratando de tornar ainda mais fácil o comércio de armas para a região, afrouxando a supervisão do Congresso.

Xi Jinping e Donald Trump andam lado a lado
Os presidentes da China, Xi Jinping, e dos EUA, Donald Trump, durante encontro em novembro de 2017 - Fred Dufour/AFP

Segundo ponto: o déficit comercial, em especial com a China. Desde a campanha eleitoral, Trump fincou o pé na necessidade de reduzir o déficit comercial americano. Cozinhou o arroz, nesse caso?

Ao contrário, o déficit bateu em US$ 891,3 bilhões no ano passado (R$ 3,445 trilhões), um recorde histórico.

Adiantou o barulho armado com as sanções comerciais impostas aos chineses? Tampouco. Até porque o déficit tem motivos que não passam, necessariamente, pelas práticas chinesas (de fato, algumas 
delas são trambiques).

O aumento no buraco da conta comercial se deve a outros fatores, um dos quais exacerbado pelo próprio Trump, ao promover um corte de impostos da ordem de US$ 1,5 trilhão (R$ 5,79 trilhões), o que deixou os americanos com mais dinheiro para importar bens, chineses ou outros.

Há quem veja na obsessão com o déficit comercial uma demonstração de que “Trump não tem realmente a menor ideia de como o comércio internacional funciona”, como escreveu Paul Krugman para o New York 
Times desta sexta-feira (8).

Krugman é prêmio Nobel de Economia e explica que nem o déficit orçamentário (outro inimigo declarado dos republicanos) nem o déficit comercial “representam um perigo claro e presente para a economia 
americana. Países avançados que tomam empréstimos em suas próprias moedas podem incorrer em grandes dívidas e frequentemente o fazem sem consequências drásticas”.

O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista em Washington
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante entrevista em Washington - Ting Shen/Xinhua

Atenção ao trecho “países avançados”: o Brasil não é um país avançado (aliás, é cada vez mais atrasado) e, portanto, endividar-se tem, sim, as tais consequências drásticas.

No Washington Post, Jennifer Rubin faz uma sintética avaliação das ações de Trump: “Ele partiu para consertar um não-problema (o déficit comercial) e criou problemas reais, incluindo conflito internacional, preços mais altos para os consumidores e grandes ineficiências na nossa economia”.

Se você pensou em outros presidentes cujos tuítes não cozinham o arroz, pensou bem. 

Preciso dar nomes?

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