Colo de Mãe

Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Colo de Mãe
Descrição de chapéu Família maternidade

Na maternidade, como na vida, o tempo é rei

Intolerância é algo que conheço de longe e rebato de perto

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São Paulo

O ano era 2009. Eu tinha uma bebê de dois anos que adorava ir ao teatro. Fui convidada para assistir uma peça infantil na cidade onde morávamos, no interior do estado de São Paulo. Tratava-se de uma releitura de Sítio do Pica-pau Amarelo, se não me engano.

As cores em cena eram muitas e os atores eram encantadores a tal ponto que minha bebê-quase-criança começou a gritar de felicidade e, sem que eu conseguisse segurá-la, subiu a escada que dava ao palco e começou a dançar no local.

De repente, ouço gritos em nossa direção. O diretor parou a peça e gritava com minha filha por ela ter subido ao palco. Eu gritei de volta. Ninguém ataca nenhuma de minhas meninas dessa forma e sai imune.

Crianças de dois anos ainda são bebês e pouco sabem o que fazem; adultos precisam ter tolerância - Fotolia

A cena não beirou o surreal porque, embora boa de briga, tenho educação. Pedi para que conversássemos com decência e ele me levou à sua sala e explicou o motivo de sua reação: tratava-se do que ele acreditava ser a peça da vida dele.

Naquele dia, o talentoso diretor, muito conhecido na cidade e com uma carreira voltada ao público infantojuvenil, estava gravando o espetáculo. Por isso, não poderia haver barulho, só dos atores no palco e das palmas ao final.

Explicou-me também tratar-se de um espetáculo com indicação para crianças a partir de cinco anos, especificação que não constava nas reportagens publicadas no jornal onde eu trabalhava, nos releases enviados por sua assessoria de imprensa, na bilheteria nem no ingresso.

Desfeita a confusão, retirei-me do local e, em meu blog da época, escrevi uma crítica pontuando as falhas, que ao meu ver eram duas: não haver a especificação de idade na divulgação da peça e a agressão verbal a um bebê, sem a mínima consideração de que "é preciso toda uma aldeia para educar uma criança".

Foi a faísca de uma fogueira acesa por ele. A partir de então, passou a me atacar nas redes sociais e a levar outros colegas a me atacarem também, em ação orquestrada de uma categoria unida na desavença e, muitas vezes, desunida na defesa de uma sociedade melhor.

Inicialmente, os ataques foram direcionados à minha filha, que foi considerada por ele uma bebê mal educada. Passado um tempo, ao compreender que uma criança de dois anos pouco entende da vida em sociedade, resolveu me atacar, porque, em sua visão e na visão de tantos outros —a maioria sem filhos—, eu era a mãe que não sabia educar.

Os ataques só cessaram quando parei de rebatê-los e desisti de tentar dialogar. Foi então que ele fez a crítica final. Em um texto, lembrou que, certa vez, foi a uma peça teatral para adultos e ouviu o som de um bebê que chorava. O bebê tinha cerca de seis meses na época e, qual não foi o espanto dele ao saber, por amigos, que a bebê a minha filha e a mãe, eu.

Deu-me então uma lição, que resolvi guardar, guardadas as proporções machistas: é a mãe quem decide onde levar um bebê. Entendi o recado. É preciso ir sempre onde somos amadas, não apenas suportadas. Entendi também que não é possível debater assuntos importantes, como tolerância, educação de crianças, aceitação, quando as pessoas se comportam de forma intolerante.

A vida seguiu. Um ano e meio depois, já de volta à capital paulista, recebi a notícia de que, infelizmente, ele havia se suicidado. Vieram à tona bastidores tristes de sua vida, como perturbações, tristezas e a solidão que viveu nos últimos dez anos antes da morte. A necessidade de palco, palmas e aprovação escondia sofrimento.

Deixou-me uma segunda lição: na maternidade, como na vida, o tempo é rei.

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