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'Barbie' coroa onda de filmes de marcas, de Polly Pocket a tênis da Nike; veja novidades

Longa com Margot Robbie chega na esteira de 'Transformers' e 'Mario', além de dezenas de projetos da Mattel e da Hasbro

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Margot Robbie em imagem de divulgação do filme

Margot Robbie em imagem de divulgação do filme "Barbie", dirigido por Greta Gerwig Divulgação

São Paulo

"Vida em plástico é fantástico", já dizia a música não oficial sobre a boneca mais famosa do mundo, lançada pelo grupo Aqua no final da década de 1990, quando a Barbie ainda era a patricinha mais cobiçada de todas as lojas de brinquedo. Quase três décadas depois, Hollywood parece ter entendido o verso chiclete e tem preenchido seus filmes com o material sintético.

Bonecos Barbie Matel
Boneca da Mattel inspirada na personagem de Margot Robbie no filme "Barbie" - Divulgação

Não literalmente. Na verdade, é justamente o oposto. O que era plástico tem virado carne e osso nas telas, como atesta "Barbie", o lançamento cinematográfico mais comentado do ano, que estreia no Brasil nesta quinta-feira (20).

Dirigido por Greta Gerwig, o longa-metragem coroa uma tendência que ganhou força nos últimos anos, com cada vez mais estúdios pondo histórias sobre brinquedos na linha de produção. No exemplo mais cor-de-rosa dessa onda, Margot Robbie vai vestir os saltos altíssimos da boneca loira, e Ryan Gosling, as camisas estampadas justinhas de Ken.

E não foram apenas os brinquedos que saíram da caixa rumo aos cinemas. Produtos mais adultos se juntam a eles para ganhar filmes próprios, de salgadinhos a tênis, com tramas que narram as origens mercadológicas ou criam um mundo de fantasia em que objetos inanimados ganham vida.

No caso de "Barbie", há uma mistura das duas fórmulas. Por um lado, o projeto vai levar o espectador para dentro de uma Casa dos Sonhos e pôr os bonecos para interagir, mas, por outro, terá a protagonista conversando com o presidente da Mattel.

Uma análise mais atenta à ficha de produção, aliás, revela que a fabricante ajudou a bancar o filme da Warner, por meio de seu braço cinematográfico, pouco conhecido. Se antes a Mattel Films se dedicava a animações bobinhas, agora investe em blockbusters de pretensões grandiosas. As projeções e vendas antecipadas de ingressos indicam que "Barbie" será a grande sensação do verão americano.

Na Hasbro, principal concorrente da Mattel, não é tão diferente. A empresa é dona do estúdio Entertainment One e passou por uma reformulação semelhante, abrindo espaço, em meio aos desenhos infantis, para se associar a estúdios maiores e levar seus brinquedos para produções de peso.

São dela, por exemplo, os recentes "Transformers: O Despertar das Feras", baseado nos bonecos de ação lançados no mercado americano em 1984, e "Dungeons & Dragons: Honra entre Rebeldes", inspirado no popular jogo de RPG de mesmo nome.

"Há uma nostalgia por trás disso. Se você estiver na minha faixa etária, provavelmente brincou de Barbie, Dungeons & Dragons e Transformers quando criança. São brinquedos que remetem à infância e nos apegamos a isso. É animador ver isso nesses mundos que já conhecemos, mas na tela grande", diz Steven Caple Junior, diretor do último "Transformers", a oitava maior bilheteria do ano até agora.

Entre os brinquedos da Hasbro que devem ganhar filmes estão ainda os bonecos G.I. Joe e Power Rangers, a massinha Play-Doh, o bichinho Furby, os jogos de tabuleiro Clue e Monopoly e os brinquedos giratórios Beyblade.

Na Mattel, os planos incluem um live-action dos carrinhos Hot Wheels, que tem a produtora de J.J. Abrams no banco de passageiro, e um longa da boneca Polly Pocket, com roteiro e direção de Lena Dunham e Lily Collins como a loira em miniatura.

Há ainda uma nova aventura dos Mestres do Universo, com Kyle Allen no papel de He-Man. O personagem musculoso, aliás, foi criado primeiro como brinquedo, no início da década de 1980, para só depois se tornar uma série de desenhos animados.

Os carrinhos Matchbox, as bonecas American Girl, o dinossauro roxo Barney –com produção de Daniel Kaluuya–, os robôs lutadores Rock ‘Em Sock ‘Em –com Vin Diesel à frente– e até a Bola 8 Mágica e as cartas de Uno completam o arsenal da empresa. São 13 filmes anunciados e 45 em desenvolvimento.

Para além da nostalgia, que leva o público para as salas de cinema e agrada aos executivos de Hollywood, há uma via de mão dupla que também interessa às fabricantes. Por um lado, elas diversificam sua carteira de investimentos, ganhando um dinheiro extra no audiovisual.

Por outro, impulsionam as vendas de produtos importantes da casa, o que agrega valor ao licenciamento –a Barbie, afinal, é terceirizada para fabricantes de roupas, acessórios, materiais escolares, produtos de higiene, doces e por aí vai.

Com o filme, a boneca se mantém sob os holofotes e se atualiza diante de uma geração que pode não associar o brinquedo a temas importantes hoje, como o feminismo, mas certamente vê em Margot Robbie um ícone de empoderamento.

"O cinema é nossa ferramenta mais poderosa de encantamento. Essa onda é uma jogada muito contemporânea de formação dos valores das marcas", diz Koca Machado, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, e sócia da agência Grupo Sal.

No Google, uma busca rápida mostra que as buscas por Barbie tiveram picos nos dias subsequentes à divulgação dos dois trailers do filme, em dezembro e maio. Versões da loira à imagem de Robbie, lançadas no mês passado, esgotaram rapidamente nos Estados Unidos e inflaram preços no mercado paralelo.

Em queda desde o início da década passada, as vendas de produtos da Barbie voltaram a crescer a partir de versões que abraçaram a diversidade, de bonecas em cadeiras de rodas àquelas com síndrome de Down. Elas se mantêm fortes agora, com um filme que indiretamente funciona como uma peça publicitária caríssima, orçada em US$ 100 milhões –ou R$ 480 milhões.

"A imersão na marca é tudo hoje", disse Richard Dickson, chefe de operações da Mattel, à revista americana New Yorker, ao apresentar seus sonhos hollywoodianos. Ele ofereceu um tour pela empresa a Robbie quando a atriz demonstrou interesse em levar a boneca às telas.

"Quando assumi, pensei que precisávamos fazer a transição de uma empresa de brinquedos, uma fabricante de itens, para uma empresa de propriedade intelectual", acrescentou o presidente, Ynon Kreiz, que entrou na companhia há cinco anos determinado a recuperar personagens que haviam sido licenciados para os mais variados estúdios, que fariam filmes sem a participação da Mattel.

Essas propriedades, diz Machado, a professora, devem ser polidas e adaptadas aos novos tempos. Daí o tom quase de deboche do novo filme, que vai tirar sarro dos pés sempre arqueados da personagem, do mundo artificialmente cor-de-rosa em que ela vive e da metrossexualidade de Ken.

"Barbie foi uma torturadora de meninas durante o século 20, porque o padrão dela não existe. Ela entrou no século 21 precisando se transformar. É natural que o filme tenha certa ironia, para ressignificar a boneca", diz.

A presença de marcas no cinema e na televisão não é novidade. A indústria tabagista teve um relacionamento íntimo com Hollywood e seus personagens em décadas passadas e até o inocente E.T. de Steven Spielberg persegue uma trilha de chocolatinhos da Hershey's em seu filme. Mas agora, diz Machado, o método é mais sutil.

O mercado publicitário é regido por uma pirâmide a fim de chegar até o consumidor. Nos últimos anos, porém, os pilares de sustentação foram repensados para abarcar novas estratégias como a dos filmes de produtos.

Se antes o cinema se concentrava no "product placement", ou inserções publicitárias, como o de "E.T.: O Extraterrestre" ou os brinquedos reais em "Toy Story", agora parece mais interessante o "branded entertainment" –ou entretenimento de marca, em português.

É um passo muito além, diz a professora, já que substituir o discurso imperativo do "compre" é mais eficaz para o público de hoje, mais sensível e crítico, o que dribla ainda as restrições que cada país impõe à publicidade, em especial àquela direcionada às crianças.

"As marcas precisam formar novos públicos. Como você faz isso com um jogo da Nintendo? Mario não diz à plateia para comprar seu jogo, mas durante sua aventura ele vai compartilhar os valores da marca com o espectador", diz Machado, sobre "Super Mario Bros.: O Filme", maior bilheteria do ano até agora, que fisgou fãs nostálgicos e também os pequenos.

Essa comunicação sem obstáculos deve gerar preocupação em órgãos de regulamentação e associações dedicadas à infância conforme a onda de filmes de brinquedos se consolida —no Brasil, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, o Conar, pediu nesta semana, por meio de uma liminar, a suspensão da exibição do primeiro teaser do filme "Barbie" em sessões de cinema com classificação aberta a menores de 12 anos.

O problema foi também antevisto por Maria Belintane, especialista em educação financeira e consumo infantil consciente. "Não é questão de proibir a criança de vivenciar essa onda ou de brincar com a Barbie e o Ken. Mas precisamos de brinquedos que estimulem o faz de conta, não que reforcem estereótipos de comportamento, consumismo e frivolidade", diz. "A personificação desses bonecos, com os atores, é um entrave ao desenvolvimento se a criança não tiver um contraponto da família e da escola."

Adultos, porém, também estão sendo expostos a essa vitrine de filmes sobre produtos, em dramas mais densos ou comédias. É o caso de "The Beanie Bubble", que o Apple TV+ lança em 28 de julho. Também ambientado no setor dos brinquedos, o filme mostra como as pelúcias Beanie Babies se tornaram uma febre mundial e também apela à nostalgia da geração noventista.

"BlackBerry" e "Air", este dirigido e estrelado por Ben Affleck, narram a saga por trás do smartphone homônimo e dos tênis da Nike, respectivamente. Entre os filmes que apelam à memória gustativa, "Flamin’ Hot: O Sabor que Mudou a História" fala da invenção do salgadinho Cheetos e "Fome de Poder" recuperou a história do McDonald’s.

No futuro, "Unfrosted: The Pop-Tart Story" vai resgatar os bolinhos açucarados amplamente consumidos nos Estados Unidos, enquanto "Madden", com direção de David O. Russell, vai narrar a criação do game homônimo de futebol americano.

Distante da Hasbro e da Mattel, outras casas de brinquedos que em breve vão embalar seus produtos em celuloide incluem a Funko, dos colecionáveis cabeçudos que viraram moda, o jogo "Minecraft", os bichinhos encantados My Little Pony e Hello Kitty.

Há ainda a Lego, que já lucrou milhões e emplacou seus blocos de montar em várias cartinhas para o Papai Noel desde que lançou "Uma Aventura Lego", em 2014. Outros três filmes aclamados pela crítica chegaram aos cinemas desde então e novas aventuras estão nos planos.

Mas esses filmes são arte ou peça publicitária? Não há dúvidas sobre o lado publicitário da operação. Basta ver a quantidade de bonecas Barbie ou kits de Lego lançados na esteira de seus filmes. Se o Oscar serve como termômetro, no entanto, eles continuam sendo cinema.

A primeira animação dos blocos de montar foi indicada a uma estatueta e, fora do circuito comercial, o prestigiado Festival de Annecy, na França, já exibiu um longa-metragem da concorrente, a Playmobil.

Parece que ninguém vai frear Barbie e seu Corvette cor-de-rosa.

Colaborou Pedro Strazza

Barbie

  • Quando Estreia em 20 de julho, nos cinemas. Ingressos à venda
  • Classificação Não informada
  • Elenco Margot Robbie, Ryan Gosling e Kate McKinnon
  • Produção EUA, Reino Unido, 2023
  • Direção Greta Gerwig
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