Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Advocacia continua em festa com Aras

Pânico lavajatista e retórica garantista costuram teia de interesses contra a lei

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A ressurreição da Lava Jato assombra o Planalto. Na luta hercúlea contra esse fantasma, o Senado, sob apoio ideológico da advocacia engajada e republicana (por autodeclaração), reconduziu Augusto Aras ao mais alto posto estatal para vigiar delinquência política. Premiou sujeito que não vigia nem permite que se puna, mesmo diante do descalabro democrático, pandêmico e amazônico. Porque ele combate a "criminalização da política".

Aras ganhou mais dois anos de mandato na Procuradoria-Geral da República por votação que reuniu da esquerda à extrema direita partidárias. Os poderes do seu cargo, combinados com a conjuntura, permitiram a ele agradar a todos. Não ligaram para a conversão da PGR numa AGU do B. Relevaram as evidências de crimes comuns do governo, as mortes, as omissões que culminaram em quatro representações criminais por prevaricação.

Para extremistas, a escolha foi racional. A política de corrosão democrática pede que Aras continue a não fazer o que não fez. Para a oposição que diz defender a democracia e grita contra o "genocídio", a justificativa precisou ser mais bem envernizada.

Explicar a ironia exige fôlego analítico, pois o episódio compacta tratados da sociologia brasileira: esse caldeirão de ilusionismo retórico e falso heroísmo, bacharelismo e patrimonialismo, violência e autoritarismo, mau cheiro e mau gosto.

Vale começar esse esforço explicativo por dois outros "ismos" que poluem o debate público: punitivismo e garantismo (ou lavajatismo e antilavajatismo, o "rebranding" politizado que emergiu na esteira da Lava Jato). Jornalistas e cidadãos devem tomar cuidado nessa lama conceitual. Para a autoridade e a reputação de juristas, importa que nada fique muito claro mesmo. Se chacoalhar, o medalhão colapsa.

A afirmação de que novos templários punitivistas assumiriam a PGR se Aras fosse rejeitado pelo Senado induziu medo artificial sem sustentação nos fatos. Pânico lavajatista é a nova modalidade de pânico moral, dispositivo conhecido de manipulação. Busca distorcer complicadas discussões jurídicas a dois lados de uma disputa clubística.

O frenesi lavajatista dividiu o mundo entre os que são a favor da Lava Jato ou a favor da corrupção. A resposta antilavajatista dividiu o mundo entre garantistas e punitivistas. Fizeram a caricatura do oponente e simplificaram o jogo: politicamente, nem os corruptos são a favor da corrupção; juridicamente, sob a Constituição de 1988, ninguém está autorizado a ser não garantista, ou, em outras palavras, a ignorar direitos constitucionais.

O debate público embarcou na simplificação mais grosseira e passou a classificar juízes e sentenças assim: o punitivista manda prender; o garantista manda soltar. O conflito se estruturou em torno dos dois rótulos. Quem consegue se associar ao rótulo legítimo ganha o jogo. Perdeu relevância discutir em que situações prender ou soltar é legal ou ilegal. Argumentos jurídicos foram substituídos por pura retórica.

Esvaziada a substância e reduzido o debate jurídico à rotulação binária, veio o salto maroto: é possível se vender como garantista e, na prática, fazer o que bem entender, independentemente da legalidade. É possível ser garantista para beneficiar com a liberdade os atores econômica e politicamente poderosos e ser punitivista sem que ninguém perceba contra os grupos mais pobres e vulneráveis. Em ambos os casos, violando a lei.

Augusto Aras recebeu, gratuitamente, dos advogados engajados, o rótulo de garantista. Por quê? Porque implodiu a operação Lava Jato sem fazer qualquer distinção entre aberrações ilegais e combate à corrupção dentro da lei. Beneficiado com esse rótulo, presumiu-se que estava juridicamente certo.

Ninguém procurou saber se esse "garantismo" do PGR também se aplica ao andar de baixo. Não se aplica. A PGR costuma recorrer, por exemplo, quando pessoa em situação de rua é absolvida por um furto para comer.

Observe outros ministros do STF agraciados com o rótulo garantista. Deve-se discutir se esse garantismo está sempre dentro da lei. Em nome do garantismo, Toffoli paralisou investigações contra Flávio Bolsonaro quando o Coaf basicamente analisava operações financeiras que a lei permitia.

Em nome do garantismo, Gilmar Mendes anulou, monocraticamente, as ações penais e todas as diligências de busca e apreensão contra José Serra. E em um recurso sigiloso. Não pergunte se foi decorrência do garantismo. Pergunte se foi legal.

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