Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus STF

Fux está perdendo a aposta

Artífice da insegurança jurídica, entregou pouco do que prometeu, muito do que se temia

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Solenidade do STF deve oficializar retorno das férias na terça-feira, 1º de fevereiro. Luiz Fux vai nos apresentar o que viu de positivo em sua gestão, "marcas retumbantes" do STF, e desafios que enfrentará "com altivez e vigilância" em 2022.

As pelo menos sete falas oficiais do ministro-presidente permitem antecipar o teor e o tom do que virá. Celebrará "capacidade de resiliência do judiciário", essa "porta última dos aflitos"; avisará que, "após um ano desafiador, a democracia venceu"; ressaltará "dever contas à sociedade" e ao "sentimento constitucional do povo", entidade que garante não se confundir com opinião pública.

Exaltará a defesa da "dignidade da jurisdição constitucional", o "caráter colegiado" de uma corte "mais democrática, humanizada e eficiente", com "precedentes estáveis, íntegros e coerentes"; assegurará que se atenta aos direitos fundamentais, que bom juiz cultiva "prudência de ânimos e silêncio na língua"; defenderá a "esperança sem ingenuidade". Prometerá um "mínimo de segurança jurídica e coordenação social nesse caos insondável".

Ministro Luiz Fux antes da sessão plenária do STF - Nelson Jr./STF

Difícil exagerar a distância entre palavras e ações de Fux. "Segurança jurídica" virou seu fetiche verbal. Não sabemos se por sonambulismo judicial (termo usado pelo filósofo Jerome Frank para notar a falsa, porém sincera, consciência de juízes sobre o que fazem), ou por ilusionismo deliberado.

Seguro é tribunal que toma decisões coerentes, mas não só. Absoluta previsibilidade na interpretação constitucional, num mundo de desacordos radicais e conjunturas que se transformam com rapidez, não há. Tão ou mais importante do que saber o que o STF decidirá é saber quando. Uma segurança jurídica de segunda ordem. Para isso, Fux deu grandiosas contribuições negativas.

Não temos ideia de quando o STF decidirá qualquer coisa. Pode ser hoje à tarde, pode ser às vésperas da eleição ou em 2034. Chamam esse descalabro de "tempo da justiça", outro slogan diversionista. Já vimos o baixo valor de mercado da pauta de julgamentos do STF. A pauta anunciada de 2022, se levarmos em conta as pautas de anos anteriores, indica pouco.

Entre o discurso otimista de Fux no encerramento de 2021 e a abertura do ano judicial de 2022, a pandemia recrudesceu. Bolsonaro voltou a ameaçar o STF e ministros do STF, a prever fraude nas eleições e afirmar que ganhou no primeiro turno em 2018; voltou a minimizar mortes de crianças, espalhar desinformação sobre criança internada, questionar eficácia da vacina e atrasar vacinação; a defender tratamento que mata e contestar a OMS.

Fux sinaliza não ter repertório para lidar com a Blitzkrieg autoritária contra instituições. Já avisou, num exercício de anacronismo do futuro, que o "Brasil não aguenta três impeachments". Diante de seguidas ameaças de golpe em 2021, marcou reunião com presidentes dos três poderes para "combinarmos balizas sólidas para a democracia". Depois da festa cívica de 7 de setembro, desmarcou: "Ninguém, ninguém fechará esta Corte!"

Fux sabe ser possível fechar o STF sem fechar o STF: "se abrir a brecha da violação da Constituição, nós perdemos todos os critérios". Essa brecha está aberta e não é mais brecha, mas avenida.

Em 2020, por ocasião de sua posse, apostei com Fux. Listei cinco casos que Fux jamais colocaria na mesa para decisão: porte de drogas (2011); estado de coisas inconstitucional nas prisões (2015); interrupção da gravidez (2017); juiz de garantias (2019); decreto de liberação das armas (2019). Era aposta fácil, pela qual ofereci o valor de um auxílio-moradia de R$ 4.300.

Nada se decidiu, mas Fux tem 8 meses até o fim de seu mandato. Dobro a oferta e somo quatro casos à lista. Começo pelo caso do orçamento secreto, maior esquema de compra ilegal de apoio parlamentar da história democrática. O STF liberou por liminar e exigiu transparência, requisito mínimo que, em gesto de desobediência, Congresso ainda ignora.

Incluo três casos cariocas: operações policiais em favelas do Rio (2019); auxílios extras à magistratura do RJ (desde 2012, enquanto a juízes seguem usufruindo de "fatos funcionais"); royalties do petróleo (desde 2013). Demorando assim, Fux dá gratuitamente a advogados o argumento desconfiado de que aplicaria regime diferenciado a interesses do governo e da magistratura de seu Estado, o Rio de Janeiro.

Quando tomou posse, Fux agradeceu "à comunidade do jiu-jitsu" e à "família Gracie" pelas "lições de coragem, disciplina e saúde". Se pelo menos coragem.

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