Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Quem defende defensores da liberdade?

Omissão do STF e ação deliberada do governo Bolsonaro ajudaram a matar

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O Produto Interno da Brutalidade Brasileira (PIBB) e o subdesenvolvimento não se improvisam, diria Nelson Rodrigues. Não ocorrem por acidente, por falta de sorte ou de oração. O projeto de crescimento permanente do PIBB é inteligente, juridicamente facilitado, constitucionalmente disfarçado, socialmente alimentado.

Cientistas sociais há muito demonstram os dispositivos de exploração da vulnerabilidade e da discriminação. Lá nas periferias territoriais e simbólicas onde conquistas jurídicas não chegam e a desigualdade se reproduz e perpetua.

SIlvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos - Pedro Ladeira-10.fev.23/Folhapress

O texto da Constituição de 1988 tentou resolver definitivamente pelo menos alguns conflitos de força entranhados na sociedade. Aos direitos da criança e do adolescente, por exemplo, mandou dar "absoluta prioridade" quando outros interesses tentarem competir (art. 227). A "prevalência dos direitos humanos" e a "redução das desigualdades" não são negociáveis numa mesa de conciliação (arts. 3º e 4º).

Em nenhuma circunstância alguém poderia sofrer tortura e tratamento degradante (art. 5º). Povos indígenas têm "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam", independentemente de marcos temporais que ministro do STF tire do fundo de seu instinto colonial de pacificação no porrete (art. 231).

Mas resolver no mundo das leis não resolve na vida real. Constatar como autoridades jurídicas e seus argumentos foscos podem contribuir mais para a exploração do que para a emancipação faz muito aluno e aluna de faculdades de direito abandonarem o curso no meio do caminho.

Essa perda da inocência sobre os limites do Direito e da Constituição, quando seus operadores não estão à altura, não justifica que renunciemos seu potencial. Mesmo quando o presidente indica para o mais alto tribunal do país seu advogado pessoal, que se tornou conhecido não pelo que pensa nem pela biografia, mas pelo serviço prestado ao presidente.

Lutar contra essa engrenagem histórica requer ação estatal e social concertada. Políticas públicas e sociedade civil ativa, portanto. Defender a liberdade não só de grupos e indivíduos vulneráveis, mas dos próprios defensores da liberdade é parte elementar desse esforço.

Dias atrás o governo federal instalou o "Grupo de Trabalho Técnico Sales Pimenta" (decreto 11.562). Tem o papel de contribuir na "operacionalização da Política Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, aos Comunicadores e aos Ambientalistas". Tínhamos uma política pública precária para proteger quem defende liberdades. Bolsonaro a desmontou. O novo governo tenta recriá-la, sob liderança do ministro Sílvio de Almeida.

Numa sociedade como a brasileira, não se defendem direitos humanos impunemente. O cenário pós-governo Bolsonaro é tão ruim quanto se podia imaginar de quem prometeu enviar militantes para a ponta da praia. A radiografia da devastação aparece no relatório "Na linha de frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil" (Terra de Direitos e Justiça Global).

O texto examina uma amostra de casos de violência registrados entre 2019 e 2022. Classifica a violência em oito tipos: ameaça, agressão física, assassinato, atentado, criminalização, deslegitimação, importunação sexual e suicídio em decorrência do contexto de violação de direitos.

Entre os 1.171 casos mapeados, foram 169 assassinatos (15%), três por mês, 140 deles de pessoas que lutavam por direito a terra, ao território e pelo meio ambiente. Foram 579 ameaças (50%). As regiões Norte e Nordeste, locais de conflitos fundiários mais agudos, concentram quase 65% das ocorrências.

Um terço das pessoas assassinadas foi de indígenas. A morte de indígenas em razão de conflitos territoriais que a Constituição resolveu, mas a hermenêutica ruralista bagunçou, não despertou o senso de urgência do STF, que há anos posterga decisão sobre marco temporal, proteção jurídica da qual povos indígenas dependem.

Entre intimidações verbais e processos judiciais, agressões físicas e morte, defensores da liberdade pedem ajuda. Não só por eles.

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