Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

A esfinge lava-jatista, capítulo 3

Augusto Aras operou arsenal de intimidação interno e externo

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A arte de nada fazer garantiu a Augusto Aras lugar indisputado no panteão da infâmia política brasileira. Sua omissão é marca que deixa para a história. Mas não devemos reduzi-lo a isso. O inventário de seu legado está incompleto.

O procurador-geral da República de Bolsonaro não foi só omisso. Não foi só espectador e parceiro de governo que tentou fazer a democracia romper e deixou gente morrer. Em estimativa conservadora, 300 mil mortes evitáveis. E nenhum constrangimento jurídico, como descrito no último capítulo.

Nesse contexto, a omissão se torna qualificada e superlativa. Está documentada em reportagens, relatórios acadêmicos e representações criminais contra Aras apresentadas pela sociedade civil, por senadores e até ex-procuradores.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, durante sessão do STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília
O procurador-geral da República, Augusto Aras, durante sessão do STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília - Pedro Ladeira - 27.nov.23/Folhapress

Mas não subestimemos Augusto. A perversidade de seu mandato não se limita à inação diante do morticínio pandêmico, da devastação amazônica, da fome indígena, do vandalismo eleitoral, da tentativa de golpe. Sua colaboração com o projeto envolveu práticas autoritárias de sua própria lavra (e de seus subordinados, por quem se responsabiliza).

Entre as características mal contabilizadas de sua gestão está a rotina intimidatória. No dicionário histórico da covardia, há verbetes a respeito. Intimidação é técnica de gestação e disseminação de medo, autocensura e silêncio.

O intimidado teme por sua vida, sua liberdade, sua profissão, seu sustento. Ou assume risco de enfrentar, ou se encasula. Ou pensa três vezes antes de praticar a ação que o intimidador tenta desencorajar, ou se cala. E não só o intimidado: num clima de intimidação, toda a comunidade tende a se retrair. A mira não se restringe ao desafeto concreto, mas a qualquer desafeto potencial.

A Constituição atribui ao PGR o dever de produzir justiça, a aplicação imparcial da lei. Pede coragem. Augusto Aras optou por produzir fumaça e agressão à liberdade. Em vez controlar as principais autoridades do Estado, preferiu socializar no palácio. E não deixou de agir contra aqueles que percebeu como inimigos.

Aras adotou medidas jurídico-formais contra críticos. Não só deixou de responder questionamentos baseados em fatos e números, não só exerceu direito de ficar nervoso diante de apelidos chistosos com a letra P de PGR, como pediu a prisão de professor e jornalista. Mirou não só dois indivíduos, mas toda a comunidade de professores e jornalistas. Achou legítimo recorrer ao Código Penal e contribuir para o encarceramento no país.

Seu alvo não foi só externo. Aras se dedicou também a neutralizar procuradores da República não alinhados e a conflagrar a instituição do Ministério Público Federal. Para isso, sua gestão passou a usar e abusar do poder correicional.

No Conselho Nacional do Ministério Público, órgão politicamente controlado por Aras, procuradores passaram a conviver com procedimentos administrativos disciplinares pairando sobre sua cabeça. Processos sem prazo para acabar, com pedidos de vista não fundamentados e engavetados. Processos que não tratam só de eventuais faltas disciplinares, mas da atividade-fim, que foge à competência do CNMP.

A punição pode vir a qualquer momento. Ou não, ninguém sabe. Foram aplicadas sanções a procuradores pela prática de atos processuais elementares, como a divulgação pública, sem dado sigiloso, de uma denúncia. Casos semelhantes estão pendentes.

Praxes ordinárias, antes permitidas e rotinizadas, passaram a trazer risco de demissão. A estabilidade que procuradores precisam para controlar detentores de poder político e econômico deixou de estar garantida. Foi rifada pelo chefe da instituição.

Cada procurador faça com essa instabilidade o que preferir. O medo de perder o emprego passa a ser proporcional ao tamanho do esquema criminoso que se dispõe a investigar. Mas a espinha moral da instituição se fraturou. E a capacidade de desempenhar seu papel constitucional sofreu abalo muito mais profundo do que temos notado.

Aras parece lidar com relações de autoridade assim: adula metodicamente quem está em cima (segundo sua cosmovisão constitucional, o presidente, os generais e os ministros do STF); exige adulação de quem está embaixo (qualquer procurador da República, professor, jornalista, cidadão). Se não, ameaça e persegue. É uma técnica muito eficaz de congelar a mais importante instituição de controle da delinquência política. E não acabou aqui.

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