Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus Todas aborto

STF precisa decidir sobre aborto

Já passou da hora de superar as ideias de ativismo judicial e superioridade do Parlamento

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A criminalização do aborto mata mulheres negras e pobres. A criminalização do aborto não diminui o número da realização de abortos. Pelo contrário, só faz aumentar, pois dificulta orientação à saúde reprodutiva de mulheres. Em todos os países em que foi adotada, a descriminalização representou queda da morte materna. Curiosamente.

Esses dois postulados empíricos são reiterados pesquisa após pesquisa no Brasil e no mundo. A saúde reprodutiva de mulheres, quando tratada pela política criminal e sua ameaça de prisão, desagregação familiar e reprodução da pobreza, consegue essa façanha dupla contra a vida.

Além da autonomia e da saúde, portanto, é em nome da vida da mulher que a regulação do aborto deve ser discutida. E também em nome do interesse do Estado em proteger a vida em potencial e o embrião. E também em nome de qualquer doutrina religiosa interpretada sem a mediação do autoritarismo religioso. Sem dose de pânico moral.

Plenário do Supremo Tribunal Federal - Pedro Ladeira-13.set.23/Folhapress

O STF tem a oportunidade de decidir sobre a criminalização do aborto. Rosa Weber deixou para o tribunal um dos votos mais rigorosos, tanto do ponto de vista da argumentação jurídica quanto da análise empírica, da história do STF. Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento.

O adiamento do STF foi elogiado por editorial desta Folha como "prudente". Uma "matéria tão explosiva na arena política", se decidida pela corte, poderia ser vista como "ativismo judicial" que invadiria "terreno do Legislativo". Seria mais recomendável a "autocontenção" e preferível a "mais sólida" via congressual.

Os argumentos do editorial são conhecidos e equivocados. Tanto do ponto de vista da teoria política que professa e do exemplo exclusivo que invoca. Vale discutir os conceitos de autocontenção, ativismo judicial e superioridade da via congressual. Vale também esclarecer os termos dessa relação entre parlamento e cortes constitucionais na proteção de direitos em democracias.

Combinar os ideais da democracia e do constitucionalismo significa aceitar que o poder é do povo, mas ele tem limites. E se o povo costuma estar mais bem espelhado no Parlamento eleito, esse Parlamento está sujeito ao contrapeso de uma corte constitucional. E se as decisões de uma corte constitucional são falíveis, também é falível a representatividade popular de um Parlamento. Cada vez mais.

Em nenhuma democracia constitucional o Parlamento decide sozinho sobre a extensão de direitos fundamentais. E se isso torna nebulosa a linha entre legislar e interpretar o direito, que supostamente organiza a divisão de trabalho entre parlamentos e cortes, conviva com isso. Porque toda decisão judicial que desagrada será acusada de "ativismo judicial".

O Congresso brasileiro já decidiu sobre aborto. Há décadas decidiu deixar tudo como está: a mulher que interrompe a gravidez em clínicas clandestinas, se não morrer, estará sujeita ao assédio do sistema de saúde, do fundamentalismo religioso e do sistema de Justiça.

O Congresso não tem ficado em silêncio: quando fala em aborto, tem sido para aprofundar a violação de direitos e revogar as três hipóteses de aborto legal hoje (risco de vida da mulher, estupro, feto anencéfalo).

Se o STF descriminaliza o aborto, o Congresso poderá regular as formas em que isso se dá. Poderá até mesmo confrontar o tribunal. Se censurável do ponto de vista constitucional, é viável do ponto de vista político. E o jogo da separação de Poderes continua. Nem Parlamento nem corte, sozinhos, "pacificarão" o conflito.

Da perspectiva histórica, não há evidência de que decisão do Parlamento "concilia" uma sociedade. De que o tema deixa de ser "explosivo". O Parlamento argentino aprovou o aborto e a sociedade continua a lutar. O seu novo candidato a autocrata, líder das pesquisas, está gritando contra o aborto e pode ganhar as eleições.

Da perspectiva da teoria democrática, há muito se sustenta a legitimidade de decisão judicial contra o Parlamento. Decisões judiciais que descriminalizaram o aborto, como na Colômbia e no México, lidam com riscos políticos adiante. Mas têm protegido a vida.

Além da prudência, o STF precisa de coragem para proteger a vida. Pois não controla o futuro.

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