Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Teoria do jurista canastrão

De Machado de Assis para estudantes de direito

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Alunas e alunos de direito que voltam às aulas nesse pós-Carnaval, vou lhes dizer coisas importantes. Sentem-se e conversemos. Há infinitas carreiras jurídicas diante de vocês. Qualquer que seja a sua escolha, o meu desejo é que se façam grandes e ilustres, ou pelo menos notáveis, que se levantem acima da obscuridade comum. É de boa prática social acautelar um ofício.

Nenhum me parece mais cabido que o de jurista canastrão. Ser canastrão foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém, as instruções de um mentor, e acabo sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em vocês.

Homem de cabelo verde e terno vermelho de braços abertos visto de costas diante de multidão
Bloco Desliga da Justiça, que desfila desde 2009 no Rio de Janeiro - Marcelo de Jesus - 8.fev.2020/UOL

Ouçam-me bem, querides, e entendam. São jovens, têm a exuberância, os improvisos da idade; não os rejeitem, mas os moderem de modo que entrem no regime do aprumo e do compasso.

Uma vez entrado na carreira, o canastrão da Justiça deve pôr todo o cuidado nas ideias. O melhor será não as ter absolutamente. Nada pior do que pensar, seriamente, na Justiça, essa senhora envergonhada com nosso indecoro.

Cultuem a vaidade magistocrática; lancem mão do valente recurso de se mesclarem aos pasmatórios, em que toda a poeira da solidão se dissipa.

Podem empregar umas quantas figuras expressivas. Versos célebres, brocardos jurídicos, é de bom aviso trazê-los para os discursos de adulação. De resto, o mesmo ofício lhes irá ensinando essa arte difícil de pensar o pensado.

Não lhes falei ainda dos benefícios da promiscuidade. A promiscuidade é uma dona loureira, que devem praticar ao modo de mimos graúdos, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição.

Organizem livros de homenagem a quem possa dar um agrado em contrapartida. Frequentem lançamentos nos tribunais de Brasília. Agitem festas no Lago Sul, convidem todos os ministros de tribunais superiores. Eles irão.

Cultivem amizade com jornalistas. Mas não revelem em público quem lhes remunera. Seus interesses privados devem ser embrulhados com o veludo de um conceito abstrato como democracia, república. Evitem sinais que induzam suspeita de conflito de interesse.

O verdadeiro canastrão tem outra política. Longe de escrever um "Tratado da imparcialidade", cozinha a parcialidade em fogo baixo e a recompensa sob a forma de jantar a quem garantir honorários para si ou para a família.

É difícil, leva anos, paciência, trabalho, e felizes os que chegam a entrar na terra prometida! Os que lá não penetram, engole-os a obscuridade. Mas os que triunfam! E vocês triunfarão, creiam-me.

Começa nesse dia a sua fase de ornamento. Criem coletivos para o bem, associações pelo interesse público, núcleos de estudo. Nada disso precisa de conteúdo ou coerência, apenas a seriedade do nome.

Tornem-se delicados tal como fios de algodão. Mostrem-se visceralmente ofendidos com eventual crítica. Só não se sujeitem a respondê-la. Desqualifiquem a pessoa do crítico, atirem-lhe alcunhas depreciativas, ameacem medida judicial à altura de sua reputação ofendida.

Toda a questão é não infringir as regras e obrigações capitais. Podem pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador, com a cláusula única de não ligar nenhuma ideia especial a esses vocábulos.

Ocupem a tribuna. Quanto à matéria dos discursos, escolham: ou os negócios miúdos, ou a metafísica política, mas prefiram a metafísica.

Um discurso de metafísica política apaixona, chama os apartes e as respostas. E não obriga a pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está achado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória. Em todo caso, não transcendam nunca os limites de uma invejável vulgaridade.

Somente não devem empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, replicado por cronistas desabusados. Usem antes a chalaça, a nossa boa chalaça amiga, redonda, franca, sem véus, que se mete pela cara dos outros, faz pular o sangue nas veias e arrebentar de riso os suspensórios.

Sigam o bloco de Carnaval carioca: Desliga da Justiça.

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