Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

Quem vai investigar Dias Toffoli?

Neolavajatismo também discrimina, persegue e viola a lei messianicamente

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O lava-jatismo curitibano foi um grande negócio para a extrema direita e para a advocacia lobista. Chancelado pelo STF, turbinado por Gilmar Mendes e microfonado sem juízo pela imprensa, os abusos à luz do dia de Sergio Moro e Deltan Dallagnol não foram enfrentados por instâncias superiores, que se curvaram ao frenesi contra a corrupção dos outros.

Quando o STF, anos depois, virou de lado sem prestar contas pelo dano que ajudou a causar, um impeachment e a eleição de um autocrata haviam passado. Os efeitos já eram irreversíveis, mas não impediram o STF de, pós-estrago, emular virtude e começar a invalidar as violações de Curitiba. Foi preciso invocar a Vaza Jato como pretexto, pois a ambição política e as quebras de decoro de Moro sacudiam há anos os encontros black tie.

O anti-lava-jatismo virou um grande negócio. Ao se deixar capturar pela advocacia lobista e pelas famílias magistocráticas, converteu-se em neolavajatismo.

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli em sessão plenária da corte por videoconferência, em Brasília
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli em sessão plenária da corte por videoconferência, em Brasília - Nelson Jr. - 6.mai.20/Supremo Tribunal Federal

Chancelado pelo STF, turbinado por Gilmar Mendes e apoiado por um ecossistema de talk shows de YouTube e blogs jurídicos patrocinados por empresas punidas pela Lava Jato, seus abusos à luz do dia têm gritado nas decisões liminares de Dias Toffoli das últimas semanas. Toffoli suspendeu multa de R$ 10 bilhões da J&F; suspendeu multa de R$ 8,5 bilhões da Odebrecht; determinou investigação criminal contra a organização Transparência Internacional.

São múltiplos os vícios. Por liminar monocrática, que sonega o plenário da corte, Toffoli invalidou atos jurídicos antigos e de enorme repercussão para o erário público.

No mérito, Toffoli fugiu de argumentos específicos do caso e abraçou afirmações abstratas sobre os males da Lava Jato ao Brasil; alega falta de "voluntariedade" nos acordos de leniência, e ignora que o próprio STF atestou a voluntariedade dos acordos de colaboração premiada correlatos.

Ao suspender multa da J&F com base nos abusos da Lava Jato, ignora que tal multa não teve nenhuma relação com a Lava Jato, e sim com a Operação Greenfield. Moro e Dallagnol não estavam ali.

Toffoli também não considerou inapropriado tomar decisões favoráveis a cliente de sua esposa advogada. Ministros do STF se definem acima de qualquer suspeita, mesmo quando a suspeição é a mais elementar. Renunciam o autorrespeito para ajudar os pobres parentes.

Ao mandar investigar organização da sociedade civil com base em desinformação já desmentida, desnuda intenção intimidatória. Independentemente de ter apoiado a Lava Jato, a organização já teve inquérito arquivado. Toffoli sabe que seu ato é espúrio.

Lava-jatismo e neolavajatismo miram alvos diversos. Esta é a sua vã divergência. Freud enxergaria "narcisismo das pequenas diferenças", uma hostilidade fabricada apesar das íntimas semelhanças.

Ambos praticam "lawfare". Ambos perseguem, ameaçam e violam a lei. Ambos escondem o interesse privado por trás da defesa do interesse público. Ambos apelam a um ethos messiânico e declaram, pateticamente, o objetivo de salvar o Brasil. Ao mito do juiz-herói, somaram agora o mito do advogado-herói. Manipuladores do direito, atiçam embate sectário com verborragia jurídica. Odeiam-se, e odeiam ser tão parecidos. Um narcisismo das mal-disfarçadas equivalências.

O neolavajatismo busca perpetuar a sombra do perigo da Lava Jato, como se a operação estivesse prestes a ressuscitar. "A Lava Lato não está morta" tornou-se mantra indutor de pânico, para o qual se oferecem como solução. Uma solução cara.

Alegam combater juízes parciais e procuradores que instrumentalizam o Ministério Público em nome de um projeto de poder. Na prática da promiscuidade, contudo, instrumentalizam seus salões de festa para quebrar a imparcialidade de juízes que decidem casos vultosos de seus clientes. Possuem também um projeto de poder, sobretudo de poder aquisitivo.

O fenômeno é antigo e não foi inventado por Sergio Moro, Deltan Dallagnol, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e a advocacia lobista. Instrumentalizar o direito para fins políticos e econômicos, e esconder o truque sob a retórica da autoridade técnica, é uma degeneração presente em Estados de Direito por aí. Um bom Estado de Direito depende da qualidade da legislação, mas sobretudo da fibra intelectual e moral de seus operadores.

O neolavajatismo costuma reagir a críticas com ameaça de responsabilização civil e criminal. Pois as prerrogativas da advocacia estariam acima de quaisquer prerrogativas da cidadania. Uma prova modesta de seu gene lava-jatista. As provas robustas ficam para outro dia.

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