Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Dickens divertia conterrâneos com o preparo de ponches

Opção de velhos aristocratas e piratas, bebida tem a vantagem de ser dosada conforme o gosto

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A maior fonte de bebida alcoólica foi preparada no Natal de 1694. Para mau humor do almirante inglês Edward Russell, contingências militares o obrigaram a passar o inverno na ensolarada Cádiz, quando podia estar tiritando na lareira, como o personagem Scrooge, de Dickens.

A solução foi beber. E beber em quantidade nunca vista. De acordo com "Punch", de David Wondrich, o conteúdo de 12 barris de ponche, cada qual com a capacidade de 300 litros, verteu de uma gigantesca fonte naquela noite.

Um garoto numa barca singrava aquele mar etílico, servindo os canecos dos convivas. Era o verdadeiro barco ébrio de Rimbaud. Saciados todos, rolando e arrotando pelas ruas espanholas, a fonte foi aberta à gleba, que mergulhou sofregamente no ponche, com roupas, sapatos e uma sede de anteontem, quase afogando o precoce marinheiro, que nunca vira ondas tão altas, nem tão embriagantes.

O escritor inglês Charles Dickens
O escritor inglês Charles Dickens - Reprodução

O clima era histericamente festivo, algo muito distante do tom sombrio de "Natal na Barca", conto de Lygia Fagundes Telles. O ponche tem dessas: é pensado para a algazarra convivial. Como o saquê, é daquelas bebidas que vai se tomando e quando menos se percebe, a espinha dorsal teima em adernar para o horizonte.

Na véspera de natal, o solitário Scrooge vê fantasmas e espíritos, sem tomar uma gota de ponche. Primeiro fica apavorado, depois se arrepende do seu egoísmo atroz e por fim, sempre guiado pelas assombrações, torna-se um homem bom, ainda que tardiamente.

Dickens não se furtava a uma dose de sentimentalismo, que temperava com reviravoltas emocionantes. Gênio do folhetim, era um astro da era vitoriana. Talvez o maior, à parte a rainha. Tinha outros talentos, igualmente essenciais. Bom caneco, era um excelente bartender.

Segundo conterrâneos, gostava de preparar suas próprias receitas e nunca saía de casa sem o ralador de noz-moscada, ferramenta indispensável ao ponche.

O poeta Longfellow chegou a dizer que "nenhuma feiticeira ficava mais concentrada em suas poções que Dickens preparando um drinque." Ele "expandia a imaginação ao misturar um ponche na sopeira", falou outra testemunha, admirada.

Byron era mais um adepto da mistura. Sugeria, ironicamente, que a sensatez estava na embriaguez. Terminou seu "Don Juan" tendo o ponche de combustível, o qual tomava num crânio. Ser ou não ser também era sua questão.

Sem medo, com um pouco de arrependimento e alguma iluminação, pode-se beber o ponche natalino, coletivo por natureza, enquanto a família rodopia ruidosamente na sala, levantando a poeira de fantasmas.

Entre alegrias e constrangimentos, o ponche pode variar de cores, frutas, temperatura e grau alcoólico. Quanto maior este último, maior a chance de alguém subir na mesa e desafinar um "Noite feliz" com a toquinha vermelha caindo na testa.

Como os parágrafos de Dickens, que agarram o leitor, o ponche, bebida de velhos aristocratas e piratas, tem a vantagem de poder ser dosado conforme o gosto. Muito forte? É só por mais suco. Muito azedo? Coloque mais açúcar. Muito aguado? Mais um pouco de tudo.

A vida é um ponche.

Ilustração do poeta inglês Lorde Byron
Ilustração do poeta inglês Lorde Byron - Divulgação

CHRISTMAS PUNCH

Ingredientes

  • 45 ml de rum claro
  • 15ml de suco de cranberry
  • 7,5 ml de suco de cereja
  • 15 ml de xarope de açúcar
  • Uma pitada de pimenta da Jamaica
  • Uma pitada de noz moscada
  • 60 ml de ginger ale

Passo a passo
Essa é a proporção para uma pessoa. Multiplique as porções pelo número de convidados. Mexa os ingredientes numa sopeira com uma grande pedra de gelo. O ginger ale vai por último. Enfeite com cerejas.

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