Uma das cenas mais engraçadas com bebidas no cinema está num filme B de terror. "Muralhas do Pavor" continuava a sequência de longas dirigidos por Roger Corman com base na obra de Edgar Allan Poe (1809-1849).
Dividido em três episódios, o filme foi lançado em 1962, com Vincent Price, Peter Lorre e Basil Rathbone (o Sherlock Holmes das telas) no elenco, música de Les Baxter, um dos reis da ambientação exótica, e roteiro de Richard Matheson, conhecido por "Eu Sou a Lenda".
Em "O Gato Preto", Lorre é o bêbado Montresor ("meu tesouro", em francês). Expulso das tabernas por falta de dinheiro, entra por acaso numa reunião de degustadores de vinho, cujo campeão é Fortunato (Price), um sujeito de elegância exagerada e afetação cômica, que arregala os olhos ao menor distúrbio.
Sedento, Montresor o desafia para um duelo. Sentam-se em lugares opostos de uma mesa cheia de garrafas. A contenda começa com o empoado Fortunato, que recebe uma quantidade mínima de vinho numa tigelinha e faz todas as caretas de um degustador premium: analisa a cor, cheira com diligência, dá um gole fazendo bico, bochecha ruidosamente e, como toque final, faz um ó com a boca para aspirar e compreender todas as nuances do sabor. Então, diz, pausada e triunfalmente: "chatêau blá-blá, ano tal. Passável". Acerta na mosca. Aplausos.
Chega a vez de Lorre, com seu formato de barril e olhos de sapo. Ele é servido numa taça e insiste para que ponham vinho até a borda. Para espanto geral, bebe num gole só. Com a mesma rapidez dá seu veredito: "Bourgogne tátá, anoxis. Muito bom!" Uma pessoa aplaude, incerta.
E assim vai, com os dois acertando, um com o método científico e o outro intuitivamente, um relativizando os méritos dos vinhos, o outro adorando tudo. Até que Montresor desmaia. Impressionado, Fortunato decide acompanhá-lo na volta para casa e acaba se envolvendo com a mulher do novo amigo. Corneado, Lorre lhe serve uma taça de amontillado com sonífero.
Em se tratando de Poe e Corman, sabemos que a vingança será maligna. Para fins etílicos, ela vem a calhar. Isso porque os olhos de Fortunato brilham diante do espanhol amontillado e parecem esquecer os pomposos vinhos franceses. Ao contrário da cena da degustação, dessa vez ele bebe com gosto. "Tem o sabor do paraíso", diz, enlevado.
No conto "O barril de amontillado", inspiração para o mesmo episódio, Poe também descreve o jerez como algo sublime. Bebedor da pesada, o raquítico mago de Boston, porém, gostava mais de absinto e conhaque, o qual misturava com ópio. Durante muito tempo colocaram uma garrafa de conhaque em sua tumba. Talvez ele bebesse amontillado como Montresor: porque tinha álcool
Mais de 70 anos depois de sua morte, misteriosa como seus escritos, o dono de um bar clandestino no Harlem, em Nova York, contou ao lendário jornalista Joseph Mitchell sobre um "teste psicológico" que fez. Tratou mal um casal de clientes ricos.
Entre outras sacanagens, lhes serviu uma mistura de gim, querosene e suco de uva como sendo vinho. Ao raiar do dia ouviu o elogio: "esse é o melhor amontillado que já tomei!".
O casal de Fortunatos pecou pela inocência que nasce da presunção. Fique com a lebre, não com o gato preto.
DUNLOP COCKTAIL
Ingredientes
- 45 ml de rum dourado
- 15 ml de jerez amontillado
- Uma espirrada de Angostura
Passo a passo
Mexer os ingredientes com gelo e coar para uma taça Nick & Nora
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