Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Gelo e gim

A ciência do drink: como peixes nos ajudam a entender os efeitos do álcool

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil. Quem escreve é Ana Luchiari, bióloga e professora da UFR.

Diversas bebidas contendo álcool —uma das substâncias mais comercializadas no mundo— foram e são utilizadas com as mais diferentes finalidades: ritualística, medicinal, lúdica, apaziguadora. Ocasionalmente alguns indivíduos ingerem altas doses, seja para celebrar um evento, seja para afogar as mágoas. E outros o fazem sistematicamente.

Por ser uma mercadoria de fácil acesso, por seu consumo ser admitido e até incentivado, seu impacto na saúde é bem maior do que o das drogas ilícitas. A intensificação de seu consumo nas últimas décadas acarretará consequências sociais, com um aumento da dependência e de danos à saúde.

Arte ilustra diversos frascos com líquidos e peixes listrados, os zebrafishes
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

O enfrentamento do alcoolismo depende de ações multidisciplinares, desde a pesquisa básica dos efeitos da exposição alcoólica até ações governamentais para tratamento e prevenção do abuso da substância.

Apesar do nosso conhecimento científico sobre os efeitos do álcool no cérebro e dos avanços da farmacologia, os medicamentos disponíveis para tratar a dependência são úteis apenas em alguns casos, já que a maioria dos alcoolistas acaba tendo uma recaída.

É provável que esse cenário resulte de diferenças individuais: certas pessoas parecem apresentar maior sensibilidade ao álcool, enquanto outras são mais resistentes. Algumas diferenças são explicadas pelo metabolismo, característica biológica herdada, mas fatores como história de vida, inserção sociofamiliar, estrutura psicológica e contexto econômico-cultural são cruciais para entender por que alguns indivíduos são mais propensos ao alcoolismo.

Trabalho no laboratório de peixes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Observamos que diferenças de personalidade entre os peixes-zebra se refletem na busca pelo álcool e seus efeitos no organismo. Peixes mais "ousados", ou seja, os mais agressivos, mais exploradores e que arriscam mais, quando expostos ao álcool reduzem a locomoção e intensificam a produção de serotonina, neurotransmissor associado à sensação de bem-estar.

Em indivíduos tímidos, a produção de serotonina é menor, mas um fator relacionado à proteção dos neurônios (BDNF) é maior, o que indica que os tímidos conseguem proteger mais o cérebro de danos causados pelo álcool. O comportamento desses peixes também é bem diferente: como a ansiedade é reduzida, eles se tornam mais exploradores sob efeitos da substância.

Assim como os peixes, os seres humanos também respondem de forma diferente ao álcool: alguns só ficam mais desinibidos e tudo bem; outros se desinibem e tendem ao uso recorrente da substância.

Precisamos aprofundar as pesquisas para que a identificação do problema, a formulação de alternativas e as decisões de tratamento possam ser individualizadas. O enfrentamento dos transtornos relacionados ao uso de substâncias, como o alcoolismo, depende do fomento às pesquisas, assim como demanda investimento em políticas públicas que facilitem o acesso a informações e foquem na prevenção do abuso (em vez de proibir o consumo sem oferecer alternativas), por meio de atendimento multiprofissional.

A desinformação da sociedade e a crença errônea de que o alcoolismo não é uma doença precisam ser combatidos com bases científicas, além de políticas de redução de danos e reabilitação psicossocial.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.