"Não deixarás viver a feiticeira", manda o "Êxodo", em claro confronto com o mais civilizado "Não matarás". O Antigo Testamento tem dessas coisas, levadas ao pé da letra por inquisidores, juízes e torturadores. Tudo em nome da fé e dos bons costumes.
Há exatos 330 anos, Bridget Bishop era enforcada na costa nordeste dos EUA. Foi a primeira mulher executada por bruxaria nos infames julgamentos de Salem, que condenaram à morte mais 19 pessoas, uma delas apedrejada e outra, o único homem, esmagada. Não que a forca fosse tranquila. Lançada de baixa altura, a ré estrebuchava por minutos, para gáudio da plateia puritana.
As acusações iam de enfeitiçar crianças, que aparentavam estar possuídas, a seduzir homens enquanto dormiam, na forma espectral. Mamilos e vaginas do inferno os atacavam no sono dos justos. Às vezes bastava uma verruga, marca de impureza, como prova de tais malefícios.
Outros países do Novo Mundo e da Europa viveram cenários semelhantes. Em Benevento, perto de Nápoles, camponesas eram acusadas de voar ao encontro de demônios, sugar o sangue de bebês em rituais de sacrifício e promover danças e orgias com seres fantásticos, animais e até homens.
Diz-se que passavam um unguento poderoso nas axilas e seios para vencer a gravidade. E que usavam vassouras de sorgo como transporte, de preferência à meia-noite, provocando tempestades. Ou cavalos com as crinas retorcidas, que sequestravam de estábulos e faziam galopar até botarem espuma para fora.
A ideia de que pudessem fazer o que quisessem com o próprio corpo era mais incômoda do que o diabo em pessoa. A tranquilidade se restabelecia ao som dos gritos nas fogueiras, depois de confissões arrancadas sob tortura.
A verdade é que tais julgamentos, também feitos por tribunais seculares, tinham, muitas vezes, interesses bem terrenos: serviam para resolver rusgas pessoais e principalmente para garantir a ordem patriarcal e capitalista, na análise brilhante de Silvia Federici, em "Calibã e a Bruxa".
Passados os séculos 15, 16, e 17, período em que ocorreu a caça cruel, a pequena cidade italiana aproveitou as lendas e imprimiu-as como fatos de grande valor turístico. Virou a cidade das bruxas. Estão até no escudo do time local.
As poções preparadas com plantas medicinais, prática comum das magas subversivas, inspiraram Giuseppe Alberti a misturar mais de 70 ervas e criar, em 1860, o licor Strega, nome italiano para bruxa. Entre as ervas está o anis, considerada bom para tratos intestinais e cura de várias doenças, inclusive o tédio, como bem sabiam Baudelaire e seus pares.
O poeta professava amor às damas do oculto: "Bruxa de olhos atraentes/terrível paixão, te quero/com a mesma devoção/que a um santo presta o clero."
Numa clave muito distante do pré-feminismo das feiticeiras, o Strega, cuja receita é secreta, mas certamente inclui açafrão, canela, hortelã e mirra, sugere ligação frívola com a magia do amor, apropriada para o dia 12. Existe a crença de que, quando dois apaixonados tomam o licor, ficam juntos para sempre.
A premissa aparece no filme "Kitty Foyle", que deu o Oscar a Ginger Rogers em 1940. Ela vai a um saloon com seu par romântico. Para garantir que ninguém mais no lugar tome o licor e bagunce o feitiço, pedem logo a única garrafa disponível do néctar de Benevento.
Na dúvida, las hay.
THE WITCH
Ingredientes
- 60 ml de gim
- 20 ml de licor Strega
Como fazer
Mexer os ingredientes com gelo e coar para uma taça Nick & Nora. Decorar com uma folha de salsão.
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