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'Os Banshees de Inisherin' mostra luta de irmãos entre o ódio e o amor

Com três Globos de Ouro e nove indicações ao Oscar, inclusive de melhor filme, longa é de complexidade infernal

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Giovanna Bartucci

Psicanalista, é autora de "Onde Tudo Acontece – Cultura e Psicanálise no século 21" (Civilização Brasileira), livro vencedor do Prêmio Jabuti em 2014

Difícil considerar "Os Banshees de Inisherin", primeiro filme do diretor e roteirista Martin McDonagh após o premiado "Três Anúncios para um Crime", de 2017, simplório, um jogo de cena desenhado para atores experientes.

Com nove indicações ao Oscar, das quais a de melhor filme, ganhador de três Globos de Ouro, inclusive o de melhor ator para Collin Farrell, "Os Banshees de Inisherin" é de uma complexidade infernal, que se desvela com uma delicadeza inesperada. E nisso residem sua beleza e interesse.

O ano é 1923, que marca o fim da Guerra Civil Irlandesa, iniciada em junho de 1922. A localidade, a ilha fictícia de Inisherin, na costa da Irlanda, povoada pelo camponês ingênuo, a intelectual, o artista, o bobo da ilha, o padre, o policial autoritário que abusa do próprio filho, a fofoqueira, a bruxa, os animais.

Cena do filme 'The Banshees of Inisherin'
Cena do filme 'The Banshees of Inisherin' - Divulgação

E a guerra em que irmãos lutam contra irmãos, o pano de fundo para o conflito que se desenrola entre amigos de longa data: Pádraic Súilleabháin, vivido por Farrel, homem simples, a princípio gentil, e o músico Colm Doherty, vivido por Brendan Gleeson, o amigo generoso.

Habituados a se encontrarem todos os dias às duas da tarde, no único bar da ilha, Colm decide, inexplicável e inesperadamente, não mais sentar-se à mesa com Pádraic porque simplesmente não tem mais prazer em sua companhia. "Eu simplesmente não gosto mais de você", lhe diz.

Colm deseja agora compartilhar seus dias com seus alunos de música, tocando e compondo, e não mais escutando as histórias de Pádraic e Jenny, sua querida jumenta.

Desolado, Pádraic pensa que Colm brinca com ele, que tudo logo voltará ao normal. Incrédulo, não consegue entender a razão pela qual o amigo possa querer seu afastamento. "Eu sinto como se o tempo escoasse pelos meus dedos, Pádraic. Eu tenho que dedicar o tempo que me resta refletindo e compondo", diz Colm, na tentativa de esclarecer o que sente.

O que Pádraic sequer percebe é que, debatendo-se em seu desespero, do qual apenas o padre tem conhecimento, Colm sofre e busca saídas por meio da arte. E Pádraic insiste, e insiste, em estar junto ao músico, de quem o afastamento parece deixá-lo profundamente desamparado, dada a convicção de sua amizade –ou amor– incondicional.

O sofrimento, em nada imaginário, de um e de outro, contudo, os leva a atos extremos, e logo estamos assistindo a "irmão lutando contra irmão", de maneira incompreensível. De seu lado, o violinista ameaça decepar os dedos da mão esquerda, na expectativa de que Pádraic prive-se de sua companhia. O camponês, por sua vez, volta a insistir, e o que pouco a pouco se desvela é uma surdez inabalável.

É aqui, então, que as coisas dão uma guinada para o pior. Lentamente, o homem gentil que era Pádraic começa a exibir o seu "novo eu": ciumento dos alunos de Colm, rancoroso, maldoso.

E Colm, ainda que se pergunte se não está apenas se distraindo no intuito de manter longe o inevitável, cumpre a promessa e, em antecipação àquilo que teme, a morte, decepa os cinco dedos da mão esquerda. Atira-os contra a porta da casa do amigo. Ao final, será Jenny, aquela em quem Pádraic encontra o amor incondicional, que morre sufocada, ao engolir um dos dedos de Colm.

A vingança será atroz. Pádraic reduz a casa do amigo a cinzas, torcendo para que Colm esteja em seu interior. O músico opta pela vida, afinal, mas não Pádraic.

Agora, é a morte de Colm que Pádraic almeja. Mas não só. O fato é que é mesmo por meio desse desejo mortífero que o habita que Pádraic finalmente encontra um lugar de volta junto ao músico, seu parceiro incondicional.

Curiosamente, ao distanciar-se de Pádraic, Colm, de fato, termina por compor uma música, "As Almas Penadas de Inisherin", tradução livre de "The Banshees of Inisherin", que, entende o compositor, não mais pressagiam a morte, apenas observam, entretendo-se.

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