Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Monges e Madonna na história de um coquetel

Criado no início do século 20, Hanky Panky se vale dos fumos do Fernet

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Há várias maneiras de chegar ao céu. Ouvir Billie Holiday é uma delas. Comer e beber, outra. Monges, freis e freiras fazem com gosto as duas últimas. Melhor: produzem parte do que comem e bebem com dedicação religiosa. E rezam. O que os torna fortes candidatos a bater na porta das alturas. Gula à parte.

Concentremo-nos nas bebidas. É comum cervejas (trapistas), vinhos, licores e outros espíritos terem nomes de santos. Muitos surgiram em abadias ermas, frutos do dolce far niente de raparigas flutuantes e sujeitos abençoados nas tonsuras pelo sol. Há o St. Germain, o St. Brendan, o St. Raphael, o St. Pierre. É toda uma hagiografia etílica.

Some-se a essa constelação os rótulos ligados às diversas ordens. O licor Chartreuse, que vem nas cores verde (verte) ou amarelo (jaune), é batizado com o nome do mosteiro dos cartuxos franceses. O delicioso Bénédictine, por sua vez, já vem com explicação. E a garrafa do Frangelico vem cingida com o cinto de corda dos frades, um dos símbolos do voto de pobreza.

O licor Frangelico
O licor Frangelico - Reprodução

Já o champanhe, descoberta do monge Dom Pierre Pérignon, nada mais é que o sangue de Cristo em piedosas borbulhas. Por isso, bebemos de joelhos. É pecado e absolvição numa taça só.

São muitas as histórias envolvendo as invenções alcoólicas de pessoas em mantos e hábitos. Uma delas se refere ao eucalipto.

O livro "The Drunken Botanist" (o botânico bêbado), de Amy Stewart, relata que a abadia de Tre Fontane, perto de Roma, foi salva do abandono por essa árvore vinda da Austrália. Acreditavam que o cheiro mentolado de suas folhas pudesse dissipar o ar maligno da malária, que grassava na região. Então cercaram o lugar com milhares de eucaliptos. Devem ter afugentado a verdadeira causa, o mosquito, pois deu certo. E o que era superstição ou erro de cálculo tornou-se fonte de licores medicinais.

(Santo Agostinho já previa, em suas "Confissões", que a medida do prazer e da saúde se confundem e que essa incerteza é uma desculpa para a busca do prazer.)

O eucalipto, assim como a bíblica mirra, faz parte da fórmula secreta do Fernet, bebida bem amarga, muito consumida por italianos e argentinos. No começo do século 20, a lendária bartender Ada Coleman, do Savoy de Londres, criou o Hanky Panky, coquetel clássico que se vale dos fumos do Fernet.

O nome tem a ver com a versão adulta do conto das abelhas. Outra forma, das melhores, de atingir um êxtase parecido com o de Santa Teresa D'Ávila. É o que canta Madonna na música "Hanky Panky", referindo-se às diversões do sadomasoquismo. Coisas como amarrar as mãos nas costas e levar uns tapas na bunda. O tesão da culpa católica, em resumo. Bad, bad girl.

Usa-se genericamente o termo hanky panky como sacanagem. Vale tanto no sentido de nhéco-nhéco mais apimentado quanto de trapaça, corrupção, trambicagem.

Se a segunda acepção aparece a rodo nos romances hard-boiled de Dashiell Hammett, a primeira é evidente no grande sucesso de 1966, também chamado "Hanky Panky".

Nesse rock primário, Tommy James exalta o que a garota faz para levar o cara às nuvens. Cafajeste pueril, ele conta vantagem: "My baby does the hanky panky". Considerando a época, não deve ser mais que deixar o farol amarelo nos amassos. Nem pouco, nem tudo.


HANKY PANKY

60 ml de gim

45 ml de vermute doce

7,5 ml de Fernet

Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça Nick & Nora gelada. Finalize com uma casca de laranja.

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