Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

As ambiguidades do gim & tônica

Hoje, 70% do gim na Grã-Bretanha é consumido com tônica

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Para tédio ou malária, nada como um gin & tonic. Que o digam os soldados e colonos ingleses estacionados na Índia no início do século 19. Pobres varões: quando não estavam oprimindo filhos de terras alheias, sonhavam com a aprovação e mimos da rainha-mãe e suavam à temperatura de febres tropicais.

O remédio era o quinino, casca medicinal encontrada nos Andes. Mas era algo difícil de engolir —muito amargo. A solução foi adicionar água com gás tonificada com açúcar. Como ninguém é de ferro, era comum o batismo com Madame Geneva, mais conhecida como gim.

Levada às ruas descritas por Dickens, no coração britânico, a nova mistura teve acolhida severa. Londres vivia um renascimento da Loucura do Gim, nome dado ao surto de um século antes, quando milhares morreram afogados nos venenos da bebida de má qualidade, produzida clandestinamente.

Vestidas em trajes da época vitoriana, pessoas participam do 'Dickensian Christmas Festival', em Rochester, sul da Inglaterra - Ben Stansall - 2.dez.23/AFP

Na rica era vitoriana, os produtos eram mais confiáveis e talvez por isso tenham surgido Gin Palaces por toda parte, espécie de saloons suntuosos para o destilado com zimbro. Ao mesmo tempo, os balcões desses palácios ofereciam variações do G&T com ópio, suprassumo do decadentismo dândi.

Foi só no começo da Segunda Guerra que o gin & tonic se popularizou sem culpas, depois de fazer sucesso nos Estados Unidos. Mais fraco que a maioria dos drinques, virou opção à cerveja para os que preferem beber destilado sem perder o pique da conversa nos bares. Mas não se deixe enganar pelas bolhas hipnóticas da mistura —elas sobem e também fazem subir.

Morto recentemente, Shane MacGowan, cantor dos Pogues, banda irlandesa de folk-punk, odiava a Inglaterra. Preferia viver numa cidadezinha do Eire, onde passou a infância, e frequentar um pub escuro e fedorento, ao estilo "Os Banshees de Inisherin", a qualquer bar sofisticado londrino.

Numa entrevista no tal pub, em meio à gritaria e bagunça habituais, o repórter pergunta se ele, notório amante das boas carraspanas, é capaz de viver sem álcool. Ele então balbucia que sim, claro, que inclusive passou por períodos de secura autoimposta. "Mas e essas gim tônicas?", insiste o repórter. "Ah, isso não é bebida", responde MacGowan, antes de pedir mais duas ao garçom.

Shane MacGowan, da banda The Pogues, em 1995 - 15.jun.95/Reuters

Hoje, cerca de 70% do gim consumido na Grã-Bretanha é consumido com tônica. De fazer inveja ao dry martini, rei dos coquetéis. Mas, tecnicamente, a gim tônica não é um coquetel, e sim um highball, categoria de drinques longos, simples e refrescantes, com dois ingredientes e alguma guarnição.

Justamente por ser simples, é preciso cuidado no preparo. Em "Sympathy in White Major", uma paródia de "Symphonie en Blanc Majeur", de Théophile Gautier, Philip Lark ensina, em tradução livre: "Quando ponho quatro cubos de gelo/ sonoramente num copo e adiciono/ três doses de gim, uma fatia de limão/ e esvazio 300 ml de tônica/ em ondas espumantes que envolvem/ todo o resto até a borda/ ergo o drinque num brinde solitário:/ Ele devotou sua vida aos outros."

Uma possível interpretação para "ele" é o próprio gin & tonic. O Fabrício Corsaletti, vencedor do último Jabuti, talvez possa dizer. Além de publicar "Todo Poeta É um Bar", muitos dos versos do seu brilhante "Engenheiro Fantasma" carregam coquetéis e bebidas como taças, copos e até jarras. É sorver, beber ou entornar.


GIM & TÔNICA

60 ml de gim

120 ml de água tônica

Coloque ao menos quatro cubos de gelo num copo Highball ou Collins. Ponha o gim e em seguida a tônica, lentamente, no dorso de uma colher. Finalize com uma fatia de limão.

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