Daniel Furlan

Ator, comediante e roteirista, é um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o programa "Choque de Cultura".

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Daniel Furlan

História de amor parecida

Não é o bom senso que freia um homem apaixonado

Casamento em cidade do interior é uma festa que envolve a cidade inteira. Talvez não seja mais assim, mas já foi um dia. Ou talvez nunca tenha sido, mas me disseram que era. 

E quando um parente meu, distante o bastante para não ter uma classificação de parente para defini-lo, resolveu se casar com uma certa moça, a família foi contra, sabe-se lá por quê. Mas mesmo assim, bancaram uma festa grandiosa, que de fato envolveu a cidade toda numa expectativa que há muito não se via. 

Mas numa dessas coisas que só pode ser verdade de tanto que parece mentira, na véspera da cerimônia, com tudo montado, a noiva resolveu fugir com um sujeito de fora da cidade numa moto. Não tenho certeza em relação à moto, mas tudo fica melhor numa versão com moto. No futebol, se os jogadores corressem de moto atrás da bola seria mais interessante. Ou aquele filme sobre o Buda. Falta moto.

O fato é que o rapaz ficou obviamente arrasado, ainda mais com a nuvem de “eu te avisei” da família que pairou sobre ele. É a pior nuvem. Fora a parte de ter que desmontar a festa sem uma poça de vômito no chão, sem um tio dormindo com brigadeiro amassado no bolso, sem um primo beijando o padre no banheiro. 

Nada mais triste do que desmontar uma festa que nunca aconteceu. Na verdade há várias coisas mais tristes, mas não interessa agora.

E veja você, a ex-noiva acabou voltando. Mais uma daquelas coisas que nunca acontece, mas acontece. O motivo não foi bem explicado, tudo indica que o rapaz da moto não era um cara muito legal. E, como se a situação já não fosse absurda o suficiente, o ex-noivo decidiu retomar o casamento. A família, em óbvio desespero, tentou dissuadi-lo a qualquer custo, mas não é o bom senso que freia um homem apaixonado. Na verdade, não é o bom senso que freia um homem.

A festa foi remontada e a cidade se recolocou no modo euforia pré-festividades sem muito questionamento. No dia da cerimônia, todos, principalmente a noiva, beberam o suficiente para que a alegria da festa superasse o constrangimento, e, obviamente, deu certo. O álcool nunca falha. Quem falha somos nós. E quanto ao noivo, ao ser questionado no altar se aceitava se casar com a noiva, ele disse sua única palavra na festa, naquele sotaque de italiano da roça:

“No!”

E foi embora.

ilustração
Luciano Salles

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