Dois anos de diferença não são sempre dois anos de diferença. Um sujeito de 36 senta-se de igual para igual com um de 38 para beber e conversar sobre qualquer assunto, especialmente os que não domina. Mas, para um moleque de oito, um de dez é um universitário, uma autoridade.
Houve um breve período na 2ª série em que os meninos da 4ª se desinteressaram pela quadra da escola.
Numa daquelas modas passageiras como a NBA ou o sexo oposto, ficaram temporariamente entretidos por um enfadonho jogo de bola de gude, deixando o espaço livre para nós, a 2ª série, plebeus do recreio primário, jogarmos eufóricos nosso futebol, colocando em prática palavrões e blasfêmias recém-aprendidos, sempre aos berros (na 2ª série faz-se tudo sempre correndo e aos berros).
O único porém era que, quando a nossa bola saía da quadra e passava por cima das bolas de gude deles, era sumariamente chutada rumo ao infinito.
Numa dessas vezes, um menino desses de dez anos de idade e barba por fazer resolveu isolar a bola de primeira, fazendo que ela tomasse um rumo inédito: minha cara. Caí para trás como um saco de batata (que é um tubérculo, não um legume) e no chão ouvia as gargalhadas dos meus inimigos.
Poucas coisas são mais duras de aturar do que a alegria dos inimigos. Mas, quando consegui me levantar, com o rosto encharcado por uma mistura de lágrimas e coriza, vi que até meus colegas, parceiros no drama que é ser 2ª série num recreio selvagem, riam da minha queda.
Sem refletir, que é como se toma as melhores decisões, parti chorando em direção ao autor do chute e fui direto em suas partes íntimas. Não sei se o que segurei foi um saco escrotal, um pênis ou tudo junto, mas o que quer que tenha sido foi retorcido pela força do ódio, enquanto ele só conseguia se encolher com a genitália deformada em minhas mãos.
Finalmente larguei o garoto caído com o órgão amassado e voltei chorando para a sala de aula vazia, humilhado.
Foi só quando os colegas começaram a chegar que tive noção da minha glória. Era mais do que a posse da quadra; mais do que o beijo da menina mais bonita da sala; mais do que um Grammy (o Latino, apenas). Eu mal podia esperar para viver a vida dali para frente depois da valentia histórica.
E na hora da saída ele me desceu a porrada.
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