Daniel Furlan

Ator, comediante e roteirista, é um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o programa "Choque de Cultura".

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Daniel Furlan

Juízo final

Só ouvia CDs com caveira na capa, era meu único critério

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Já traí e fui traído. Já pichei mensagens cristãs em banheiros públicos por puro vandalismo, não pela evangelização. Tomei todo tipo de multa de trânsito já criada (inclusive tive a carteira apreendida duas vezes e fiz dois cursos de reciclagem, sou um dos motoristas mais reciclados do Brasil hoje). Nunca furei fila, mas por constrangimento, não por cidadania. Já caí na porrada com e sem razão (última vez aos 12 anos com um menino da minha rua chamado Cremogema). E não acho que tudo bem.

 

Já, em muitos e muitos recreios, deixei cair de propósito meu aparelho móvel no meu refrigerante para que não me pedissem um gole. Já desenvolvi com colegas um alfabeto de gestos para colar em provas. Deu mais trabalho que estudar e mesmo assim não deu certo. Já elogiei banda de amigo mesmo achando uma merda. Já fingi que estava rezando só porque um desconhecido pegou minha mão no Maracanã e sugeriu que rezássemos. Já fiz e permiti que fizessem piada preconceituosa, assim como muitos na década de 1990/2000. E não acho que tudo bem.

Já quase assassinei meu primo quando ele era bebê apertando a moleira (eu não sabia o que era e fiquei apertando, mas ele parece bem hoje, é formado em odonto). Já fiquei ouvindo CDs em lojas durante tardes inteiras sem nunca comprar nada (e só ouvia CDs com caveira na capa, era meu único critério). Já comprei chocolate para minha mãe e comi tudo no avião. Já falei que gostava de Tom Zé porque não tive coragem de dizer que achava ruim. Já escrevi sobre os problemas de um bairro em roteiro de campanha política sem conhecer o bairro (coloquei que a coleta de lixo precisava melhorar —e, no final das contas, parece que precisava mesmo). Mas não acho que tudo bem.

Já dei um pedaço de torta de chocolate para um morador de rua e depois descobri que ele era diabético. Quando minha avó disse que o Moacyr Franco tinha ligado para falar de ômega 3, eu não avisei que provavelmente se tratava de uma gravação. Xingo mental ou verbalmente vozes gravadas de pedágio que me agradecem e desejam uma boa viagem. Já fiz sexo por educação. Já desenhei pênis nas cadeiras da escola para quando o coleguinha sentasse eu ficar rindo, mesmo sabendo que não era um pênis real e, ainda que fosse, também não teria graça. Já traduzi RPG. 

Ilustração para a colune de Daniel Furlan de 20.05.2019
Cynthia Barbosa

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