Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Deborah Bizarria

Lula diz que neoliberalismo leva a populismo de direita. Será?

Desunião da oposição democrática abriu espaço para populismo e direita golpista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No discurso que Lula fez na ONU, um trecho que me chamou atenção foi: "Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário". Por definição, neoliberalismo é uma doutrina política que defende a redução da intervenção do Estado na economia, promovendo a livre concorrência, a privatização de empresas estatais e o mercado como regulador principal. O discurso ignora as reais causas por trás da crise de confiança nas instituições democráticas no Brasil. E já adianto: essas causas passam longe de ter relação com qualquer forma de liberalismo.

Um aspecto é o econômico. O segundo mandato do próprio Lula e a maior parte do governo Dilma foram marcados por uma agenda econômica desenvolvimentista que, além de não trazer crescimento sustentável, gerou uma grave crise econômica. Esse processo incluiu a desoneração para setores industriais específicos, que custou bilhões ao Tesouro sem gerar os empregos prometidos e se tornou um obstáculo inclusive para o governo atual, que tem dificuldade de reverter a desoneração da folha de pagamentos.

Houve também um forte uso dos bancos públicos para conceder crédito subsidiado a grandes empresas, que já teriam acesso a crédito em outros bancos, aumentando a dívida pública. Além disso, houve o controle artificial dos preços de combustíveis —causando prejuízos à pauta ambiental e à saúde financeira da Petrobras. E a mesma interferência na energia elétrica, causando perdas bilionárias para empresas de energia e gerando graves distorções no mercado. Isso tudo aumentando a dívida pública, sem preocupação com a qualidade do gasto ou com a revisão das políticas que não deram o resultado esperado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz o discurso inaugural da 78ª Assembleia-Geral da ONU, que tem início na sede da entidade em Nova York. Tradicionalmente, o Brasil abre a sequência de discursos de chefes de Estado e de governo
Lula discursa na abertura da 78ª Assembleia-Geral da ONU - Reprodução/UN no Youtube

Em um primeiro momento, houve euforia e apoio de vários empresários beneficiados, mas a conta chegou. Essa agenda resultou no aumento do desemprego, que subiu de 6,8% em 2014 para 13,7% em 2017, atingindo mais de 14 milhões de pessoas, e em uma queda de 3,55% do PIB em 2015 e de 3,46% em 2016.

Para além da economia, há também o aspecto político desse modelo de governo. O mensalão e o petrolão abalaram profundamente a confiança na classe política brasileira e geraram uma crise institucional. Ao não se restringir ao PT, mas atravessar os partidos de todo o espectro político, esses escândalos revelam a magnitude da corrupção no país e reforçaram os problemas da democracia no imaginário popular.

A falta de alternativas viáveis nesse período também é um elemento a ser considerado. A oposição democrática falhou em apresentar frente unida e uma narrativa coesa capaz de ser vista como solução aos desafios econômicos e políticos do país. Abriu assim espaço para o populismo e para uma direita golpista.

Na prática, a polarização no Brasil se acentuou entre os defensores de uma agenda desenvolvimentista falida e uma direita sem qualquer apreço pelas instituições democráticas. O bolsonarismo, apesar de ter se elegido com ecos de um discurso liberal na economia, não tinha compromisso real com a agenda. Houve também, ainda que em menor grau, desonerações para setores específicos da economia e furos no teto de gastos com a PEC do Precatórios. E vale salientar que não há como uma agenda liberal prosperar em meio a instabilidade institucional, briga entre Poderes e desprezo pela democracia.

Diferentemente do que disse o presidente, o neoliberalismo que defende a globalização, a economia aberta e as contas públicas organizadas não pode ter trazido o Brasil até aqui porque sequer deu as caras. A desconfiança dos brasileiros na capacidade de entrega da democracia é resultado não apenas de políticas econômicas equivocadas, mas também da erosão da ética política. Além disso, a polarização entre agendas desenvolvimentistas falidas e uma direita que desconsidera os princípios democráticos agravou ainda mais a crise.

A restauração da confiança nas instituições exige não só reformas econômicas como um compromisso genuíno com a democracia, buscando um caminho mais moderno e democrático para o Brasil.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.