Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

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Deborah Bizarria

Os apps transformaram os encontros

Aplicativos devem servir para agregar, não para determinar quem somos

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Hoje, quase tudo pode ser encontrado e adquirido com alguns toques no smartphone e mesmo os relacionamentos não são exceção. É comum ouvir histórias de amigos em busca tanto de algo casual quanto de um relacionamento sério por meio da internet. Aplicativos como Tinder e Bumble mudaram consideravelmente a maneira como nos conectamos, gerando algumas facilidades e ao mesmo tempo seus próximos desafios. Afinal, quem nunca ouviu alguma história de encontro péssimo via apps?

Conhecer alguém online se tornou a maneira mais comum de casais heterossexuais se conhecerem, chegando a superar a mediação de amigos já em 2013 nos Estados Unidos, de acordo com uma pesquisa de Michael Rosenfeld e outros autores. Família, colegas de trabalho e comunidades religiosas também têm perdido espaço como forma de criar casais. Essa mudança é impulsionada pela lógica de conveniência e amplo acesso oferecido pelos aplicativos de relacionamento.

A possibilidade de conhecer pessoas fora do círculo social imediato expande significativamente as opções, permitindo que indivíduos encontrem parceiros com valores e preferências que de outra forma não conheceriam. Contudo, essa conveniência traz novos desafios e insatisfações às dinâmicas de encontros.

Para quem está fora desse circuito, vale explicar que os aplicativos de relacionamento funcionam de maneira semelhante aos aplicativos de compras online: filtram-se os perfis com base em características externas e fotos, sem contato real com a pessoa. Em geral, é possível selecionar pessoas pela idade, altura, onde mora, se fuma, se tem ou quer ter filhos e, claro, pela filiação ideológica ou partidária. Caso o perfil que apareça na tela agrade, é possível curtir; se não, rejeitar. Se ambos os perfis gostarem, surge o "match" e as pessoas podem interagir e marcar um encontro.

O uso desses filtros antes mesmo de conhecer a pessoa traz uma dificuldade, pois as primeiras impressões através de uma tela não trazem revelações determinantes sobre as pessoas. Na vida real, é comum que mesmo pessoas que não completem o nosso checklist nos encantem a partir da conversa, do bom humor ou gestos, nuances que se perdem no mundo online.

Em particular, as mulheres são significativamente mais seletivas do que os homens nesses aplicativos, rejeitando a maioria dos perfis que veem. Em um experimento conduzido por Olga Roshchupkina e outros autores, os resultados mostraram que, em média, as mulheres curtem 30% dos perfis e 20% das respondentes, rejeitando mais de 80% dos perfis, gerando uma competição intensa entre os homens.

Segundo o estudo, enquanto apenas 1 perfil em 100 foi "curtido" por mais de 80% das participantes, 38 perfis foram "discutidos" pelos mesmos 80%. Parece haver uma alta desigualdade no mundo dos apps de relacionamento: poucos homens concentram o engajamento de interessadas enquanto muitos não recebem atenção. Em outras palavras: se o Tinder fosse um país e as curtidas fossem a sua moeda, seria um país bem mais desigual do que o Brasil.

Embora não tenham encontrado regras universais para atração, há padrões de rejeição. Perfis sem fotos claras do rosto são frequentemente rejeitados, pois a ausência de uma imagem clara gera desconfiança. Igualmente, homens com fotos excessivamente editadas ou com expressões faciais estranhas enfrentam altas taxas de rejeição. Ainda, aqueles que são significativamente mais velhos ou mais jovens do que as parceiras em potencial recebem classificações mais baixas de atratividade.

Homens e mulheres enfrentam desafios diferentes: há homens que frequentemente se sentem desvalorizados e inseguros devido à alta taxa de rejeição, enquanto as mulheres lidam com abordagens indelicadas ou invasivas e a dificuldade de encontrar parceiros genuínos. A ênfase na atratividade física e outros critérios superficiais podem exacerbar problemas de autoestima e perpetuar padrões irreais.

Desenho de duas pessoas em um celular
Os diferentes apps de relacionamento - Mohamed Hassan/Pixabay

O uso de aplicativos para conhecer novas pessoas é um caminho sem volta. Para lidar com os possíveis problemas dessa ferramenta, é essencial lembrar que nosso valor como indivíduos, parceiros ou amigos não pode ser medido por um perfil online. Os aplicativos devem servir para agregar e não determinar quem somos.

Explorar hobbies, praticar esportes coletivos e participar de atividades cívicas continuam sendo formas de conexão mais satisfatórias, apesar de demandarem mais esforço. Afinal, qualquer relacionamento real exige dedicação, e nenhuma ferramenta tecnológica pode substituir isso. Reconhecer isso é fundamental para equilibrar as facilidades dos apps com a profundidade das relações humanas.

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