O Brasil comemora neste mês dez anos das manifestações de junho de 2013, quando milhões de pessoas foram às ruas em centenas de cidades de norte a sul do país reivindicando direitos específicos e concretos —a redução das tarifas de ônibus— e também com pautas difusas, como saúde e "educação padrão Fifa".
Nessa década, a sociedade brasileira vivenciou uma radicalização da disputa de projetos que marca nossa democracia desde a promulgação da Constituição de 1988, disputa na qual a questão do combate às desigualdades é central.
A direita brasileira optou por uma via de violência política, com o golpe parlamentar de 2016 e uma série de reformas que retiram direitos do povo, como o teto de gastos, a reforma trabalhista e a reforma da Previdência. Foi esse caminho que abriu espaço para que a extrema direita se organizasse em torno de Jair Bolsonaro e vencesse as eleições em 2018.
As desigualdades aumentaram e o país se viu à beira do abismo já antes da pandemia da Covid-19, mas especialmente durante a emergência sanitária, com o atraso da vacinação, a morte de milhares de brasileiras e brasileiros que poderiam ser evitadas e a explosão da fome e da pobreza nas grandes cidades.
No campo das esquerdas, é preciso destacar o aprendizado histórico sobre a relação entre instituições e a mobilização social. Em grande medida, a maioria dos partidos, dos intelectuais e da militância progressista acreditou que bastava estar no governo federal para conduzir o Brasil rumo à superação das desigualdades. Essa crença deixou parcela significativa das esquerdas despreparada para o enfrentamento com a versão radicalizada da direita, primeiro na conjuntura do golpe parlamentar, com o projeto ultraliberal de Michel Temer, Eduardo Cunha e Aécio Neves, e depois quando a extrema direita tomou de assalto a representação conservadora no Brasil.
Entretanto, essa década foi marcada por muita mobilização social e muita resistência popular, que foram decisivas para diminuir os estragos do governo golpista de Temer e do governo fascista de Bolsonaro. Foi nesse período que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) se tornou um movimento nacional, com presença em 15 estados, com ocupações e conquistas em vários deles. Também nessa conjuntura a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmou seu protagonismo político na defesa dos direitos dos povos originários. Outro exemplo positivo foi a organização de frentes de luta dos movimentos sociais que buscam somar forças para resistir ao desmonte dos direitos, tais como a Frente Povo Sem Medo e a Frente Brasil Popular.
Durante a pandemia do coronavírus, os movimentos sociais se organizaram para distribuir máscaras, álcool gel e comida para o povo das periferias. Se o estrago da Covid-19 não foi maior no povo pobre, isso se deu graças à mobilização social diversa e incansável. Nesse processo, surgiram cozinhas solidárias e outras formas de campanhas de arrecadação de alimentos e organização comunitária para garantir que as famílias mais pobres tivessem acesso a comida saudável e de qualidade.
Outra política que foi resultado da mobilização social durante a emergência sanitária foi a conquista do auxílio emergencial para milhões de pessoas que perderam suas atividades econômicas diante das necessárias políticas de isolamento social. O governo genocida de Bolsonaro propôs um voucher de R$ 200 a um número limitado de pessoas e por um período curto de tempo. Os movimentos sociais e o ativismo conseguiram pressionar o Congresso a aprovar o auxílio de R$ 600 para milhões de pessoas, com resultados positivos no combate às desigualdades nos anos de 2020 a 2022.
Em 2023, o Brasil vive um momento de reconstrução democrática, com a retomada do diálogo nacional e institucional e a recuperação de políticas públicas de combate às desigualdades, como o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo e o Minha Casa Minha Vida. Contudo, sem mobilização social o alcance dessas políticas será limitado. É preciso aproveitar os dez anos de junho de 2013 para refletir sobre a força da sociedade organizada em favor dos direitos e da redução das desigualdades e não repetir o erro de acreditar que basta a presença nas instituições para tornar nosso país mais igualitário e solidário.
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